sábado, 23 de março de 2013


Edital de Eleição de Delegados para o 53º Congresso da UNE
da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).


Santarém/PA, dia 22 de março de 2013.


            A Comissão de 10 estudantes, credenciada junto à Comissão Nacional de Eleição, Credenciamento e Organização (CNECO) do 53º Congresso da UNE, de acordo com suas prerrogativas de COMISSÃO ELEITORAL determinadas pelo Regimento deste Congresso, anuncia este Edital de Eleição de Delegados para o 53º Congresso da UNE, que será realizado no calendário que segue abaixo.
            A documentação exigida para inscrição de chapa é o comprovante de matrícula do semestre vigente de cada integrante da (s) chapa (s). Em cumprimento ao art. 7º, I, é obrigatória a presença de 30% de mulheres nas chapas que disputarão a eleição, bem como na lista dos/das eleitos/eleitas. A apuração dos votos e proclamação dos resultados será realizada imediatamente após o término da votação, em local que será comunicado pela Comissão Eleitoral previamente.

Inscrição de chapas: 08/04/2013 a 10/04/2013.
Horário: 15h às 21h.
Local: UFOPA, Campus Rondon.

Período de campanha: 11/04/2013 a 16/04/2013.

Eleições: 17/04/2013. 9h às 21h.

Contato da Comissão Eleitoral: Eduardo Henrique Wanghon Maia, Email: eduw1@hotmail.com, Telefone: (93) 9193-2333; Heloise da Rocha Sousa, Email: heloisesousa@gmail.com; Telefone: (93) 9185-7144.
Local da Comissão Eleitoral: Laboratório do curso de Pedagogia, localizado no Campus Rondon da UFOPA.


Comissão Eleitoral para eleição de delegados para o 53º Conune:




Eduardo Henrique Wanghon Maia




Heloise da Rocha Sousa

sábado, 16 de março de 2013


Ib Sales Tapajós

Na última sexta-feira, dia 15, mais de 100 jovens santarenos reuniram-se na UFOPA para refletir coletivamente sobre os rumos da Venezuela e da América Latina após a morte do presidente Hugo Chávez.O evento, realizado pelo JUNTOS!, começou com a exibição do documentário “A sul da fronteira”, do cineasta americano Oliver Stone, que aborda os avanços sociais e políticos conquistados em vários países da América Latina após 1998, ano em que Chávez foi eleito para governar a Venezuela, iniciando um importante giro à esquerda na conjuntura da região.
O cine-debate do JUNTOS! contou com a presença de estudantes universitários, da UFOPA, UEPA, ULBRA, mas também de muitos estudantes secundaristas e pré-vestibulandos. Uma juventude ávida por debater e compreender a conjuntura latino-americana a partir de uma ótica diferente das manipulações grosseiras da grande mídia (Rede Globo e companhia).Nesse sentido, as discussões travadas foram muito construtivas. Além dos facilitadores do debate, Maike Vieira (professor de História) e Florêncio Vaz (doutor em antropologia da Ufopa), tiveram destaque dois militantes latino-americanos históricos: a venezuelana Anne Cauwell e o ex-guerrilheiro cubano Luís Lavandeyra.
A riqueza dos debates travados no evento do JUNTOS! e a importância do tema me levaram a escrever este artigo, quebusca compreender o significado da revolução bolivariana para a Venezuela e o conjunto da América Latina.

Cine Debate: O legado de Chávez e o futuro da América Latina  organizado pelo coletivo de juventude Juntos!
O Governo Chávez: 14 anos de luta nacionalista e anticapitalista.
Chávez venceu as eleições presidenciais venezuelanas em um contexto histórico marcado pela hegemonia do pensamento neoliberal no mundo inteiro. Com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim do chamado “socialismo real”, ganhou força a ideologia reacionária do “fim da história”, de Francis Fukuyama, que dizia não haver alternativa possível ao sistema capitalista.A ofensiva neoliberal impôs à América Latina uma política de progressivo desmonte do Estado, associada à privatização dos serviços públicos e à abertura das economias nacionais ao capital internacional.
Aintensa propagaçãodo “fim da história”gerou impactosaté mesmo em organizações políticas de esquerda que passaram a enxergar a reforma do capitalismo como única estratégia viável. Exemplo disso entre nós foi a adaptação ideológica do Partido dos Trabalhadores, cuja direção passou a ter como eixo a construção de um “capitalismo humanizado”, em cooperação com setores da burguesia brasileira (daí a aliança de Lula com o empresário José de Alencar, do Partido Liberal, em 2002).
A vitória de Hugo Chávez em 1998 significou um contraponto histórico a essa suposta vitória final do capitalismo. Ainda que ele, inicialmente,não colocasse na ordem do dia a necessidade de superação do sistema do capital, os rumos do processo bolivariano acabaram levandoChávez a defender o socialismo do século XXI – uma formulação política ainda embrionária, mas que recolou o tema do socialismo na pauta de debates da Humanidade.
Eleito com um programa nacionalista radical, já no início de seu governo, Chávez convoca um processo constituinte,o qual contou com ampla participação popular,gerando a Constituição da República Bolivariana da Venezuela de 1999, que foi aprovada em referendo e promoveu mudanças significativas no regime político venezuelano. A nova Constituição deu passos importantes em direção a uma democracia semidireta, com instrumentos de participação popularnos principais assuntos do país. Além das eleições diretas e periódicas para os cargos do Legislativo e Executivo, a Constituição de 1999 previu mecanismos como consultas e referendos, revogação de mandatos e iniciativas legislativas populares. Assim, percebemosque as afirmaçõesda grande mídia brasileira de que Chávez é um “ditador” não passam de má-fé.
Após a aprovação da nova Constituição, foi aprovado um conjunto de leis limitadoras da propriedade privada, com destaque para a Leis de Terras, que proibiu a existência de latifúndios superiores a 5 mil hectares, e a Lei dos Hidrocarbonetos, que instaurou medidas de maior controle estatal sobre a renda petroleira.
É claro que tais medidas foram consideradas uma heresia diante dalógica neoliberal. As elites venezuelanas não tardaram a agir.Em abril de 2002, uma conspiração das oligarquias nacionais, juntamente com um setor das Forças Armadas e com apoio explícito dos meios de comunicação privados do país, chegou a depor Chávez do poder por dois dias. O golpe contra o presidente foi aplaudido pelo governo dos EUA, cuja participação nesse episódio restou evidente. Porém,uma grande insurreição popular, um levante espontâneo das massas, reconduziu Chávez ao poder. A partir daí, a revolução bolivariana se radicaliza. O enfrentamento com a burguesia nacional e internacional toma maiores proporções.
Mesmo com a derrota do golpe de 2002, a oposição continua executando planos de desestabilização, com apoio da mídia privada. Em 2003, a burguesia organiza um locaute na PDVA (empresa petroleira) e deixa o país sem abastecimento de combustível, gerando um grande caos. Mais uma vez, a resposta veio do povo pobre, dos movimentos sociais e operários, que ocuparam a PDVSA e garantiram o seu funcionamento. Como resultado desse processo de enfrentamento, Chávez nacionalizaa PDVSA, fato que representa um grande salto qualitativo no processo bolivariano.
Com a apropriação pública dos recursos provenientes do petróleo, importantes mudanças econômicas e sociais se operam no plano nacional. Assim, em 2005, a Venezuela se transforma no segundo país latino-americano a erradicar o analfabetismo (Cuba foi o primeiro). Em parceria com o governo cubano, Chávez promove também importantes avanços na saúde pública.
Podemos dizer que o motivo central das mudanças sociais ocorridas na Venezuela na última década foi uma reorientação na destinação da renda petroleira. Antes de Chávez, a principal riqueza do país era apropriada pela elite econômica nacional associada ao capital financeiro internacional. Com a revolução bolivariana, o dinheiro do petróleo passa a se dirigir essencialmente para a satisfação das necessidades essenciais da população. Isso gera um aumento significativona capacidade aquisitiva dos trabalhadores -o salário mínimo na Venezuela corresponde atualmente a cerca de R$ 1.400,00.
Isso explica a imensa legitimidade do projeto chavista perante o povo venezuelano, que pode ser mensurada nas eleições presidenciais de 2012. Mesmo após 14 anos nopoder, com todas as crises, problemas, contradições e ataques sofridos, Chávez foi reeleito com 55% dos votos – praticamente o mesmo percentual de 1998. O Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV), fundado em 2007,conta hoje com cerca de 5 milhões de filiados, num país de 30 milhões de habitantes. Não há dúvidas de que a revolução bolivariana está profundamente enraizada na consciência das pessoas, de modo que derrotar o chavismo, mesmo após a morte de Chávez, não será uma tarefa fácil para a oposição.

O significado da revolução bolivariana para o conjunto da América Latina

As mudanças operadas pelo Governo Chávez não se esgotam no âmbito nacional. A revolução bolivariana inaugurou uma nova fase na América Latina, com a ascensão ao poder de inúmeros líderes populares, que mudaram a orientação de seus países perante o imperialismo norte-americano. Países como Equador, Bolívia, Paraguai, Honduras, Uruguai e, em certa medida, Argentina e Brasil, fizeram parte de um mesmo processo que alterou a geopolítica da região. Embora haja uma grande diferença entre os governos destes países (entre Lula/Dilma e Chávez, a diferença é enorme!), o novo bloco formadodeixou de aceitar passivamente a ideia d a América Latina como quintal dos EUA.
Além da Venezuela, essa nova postura se reflete com maior profundidade no Equador e na Bolívia, cujos governos têm um perfil claramente anti-imperialista. O Equador de Rafael Correa realizou há poucos anos uma auditoria da sua dívida pública, quereduziu em mais de 60% o montante a ser pago aos credores nacionais e internacionais. Uma medida essencial de combate à usura do capital financeiro. Foi também o Governo Correa que decidiuconceder asilo político a Julian Assange, líder do Wikileaks,que desnudou a política externa criminosa dos EUA, sofrendo por isso uma severa perseguição internacional.Na Bolívia, o presidente indígena Evo Morales tomou medidas importantes, no sentido de nacionalizar os recursos naturais do país, a exemplo de Chávez.
O avanços alcançados nesses 3 países (Venezuela, Bolívia e Equador), que são o polo mais avançado da América Latina, têm uma origem parecida:a combinação das lutas sociais com a vitória eleitoral de líderes políticos de esquerda. Não dá para explicar a ascensão de Chávez ao poder sem a rebelião popular conhecida como Caracazo (1989), nem a vitória de Evo sem a Guerra da Água em 2000. Essa articulação entre a mobilização das massas ea disputa institucional se mostrou uma estratégia apta a produzir grandes mudanças sociais, políticas e econômicas.
No entanto, a morte de Chávez joga um ponto de interrogação sobre o continente: e agora, para onde vai a América Latina? Assim como o início da revolução bolivariana inspirou vitórias populares em vários outros países vizinhos, a contrario sensu, uma derrota das forças chavistas nas eleições presidenciais marcadas para abril de 2013 pode gerar também um grave retrocesso não apenas na Venezuela, mas em toda a região. Muita coisa está em jogona disputa entre Nicolas Maduro, herdeiro político de Chávez, e Capriles, principal expressão eleitoral da oposição venezuelana.
De todo modo, a continuidade da revolução bolivariana sem o seu maior líder depende fundamentalmente da organização e mobilização popular. Depende do povo pobre que se rebelou em 1989 no Caracazo, o povo que desceu dos morros para derrotar o golpe de 2002, o povo queocupou a PDVSA e conquistou a nacionalização do petróleo, o povo que foi o principal beneficiado com os 14 anos de Governo Chávez. É esse mesmo povo que tem de continuar protagonizando sua própria História, não apenas paradar continuidadeao processo bolivariano, como também para aprofundá-lo, na direção de uma sociedade pós-capitalista.

O papel da juventude na luta anticapitalista e anti-imperialista

A morte de Chávez e as eleições venezuelanas são eventos que se situam em uma conjuntura internacional crítica, instável, mas na qual se abrem importantes caminhos. Se por um lado a crise econômica ataca os direitos da classe trabalhadora e da juventude em vários cantos do mundo, por outro ela propicia o surgimento de novos movimentos de luta e contestação aos regimes políticos controlados pelocapital financeiro e pelas grandes corporações. As revoluções árabes no norte da África e no Oriente Médio, o fortalecimento da luta do povo palestino, o movimento dos indignados na Europa, o Occupy Wall Street, as greves recentes na Argentinae as mobilizações estudantis no Chile são um conjunto diversificado de respostas dos povos contra as mazelas do sistema capitalista, que abrem espaço para a construção dealternativas políticas.
É com esse intuito, de pensar e construir alternativas, que jovens de mais de 10 países vão se reunir no final de março em Buenos Aires, no I Acampamento Internacional da Juventude Anticapitalista e Anti-imperialista. Será um espaço de interação e articulação entre ativistas que lutam em seus respectivos países por um futuro diferente para a Humanidade. Estarão presentes em Buenos Aires representantes de organizações de juventude de países da América do Sul, América Central e Europa.Merecem destaque, pela conjuntura atual, a juventude socialistado MST argentino, integrantes do Syriza, coalização anticapitalista grega que chegou perto de ganhar as últimas eleições do país, e a juventude do Marea Socialista, corrente interna do PSUV, jovens lideranças que ajudam no dia-a-dia a construir a revolução bolivariana.
Do Brasil, o JUNTOS! é a organização de juventude que estará presente no Acampamento, para somar esforços com as lutadores anticapitalistas de diversas partes do mundo. Em razão da diversidade de sujeitos políticos que irão se encontrar na Argentina, não esta dúvida de que o Acampamento é uma iniciativa de grande relevância para a construção de um novo futuro. Ele é prova de que um expressivo setor da juventude mundial está ciente do grande desafio civilizatório que temos pela frente: construir uma sociedade justa e livre da exploração e da opressão.Em outras palavras, perseguir o sonho de Chávez e de diversos outros lutadores e lutadoras: a construção do socialismo do século XXI.

Ib Sales Tapajós é graduado em Direito pela UFOPA. Foi coordenador-geral da UES. Hojefaz parte do Grupo de Trabalho Nacional do Juntos! e da Executiva Municipal do PSOL em Santarém.

sábado, 2 de março de 2013


Entrevista com Maria Lúcia Fatorelli (ex-auditora fiscal da Receita Federal e presidente do Unafisco Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal)



Auditora da Receita Federal durante 29 anos, Maria Lucia Fattorelli se dedica, desde 2001, à coordenação do movimento Auditoria Cidadã da Dívida. A organização vem buscando informações sobre a dívida pública brasileira e demanda a realização de uma ampla auditoria em seus contratos.
Para Maria Lucia, existe um “sistema da dívida” no Brasil. Nesta entrevista ao Sul21, ela explica que esse sistema foi orquestrado pelo aparato financeiro internacional com a anuência de diversos governos desde a ditadura militar.
“O sistema consiste na usurpação do instrumento de endividamento público. Em vez de ser um instrumento que aporta recursos ao Estado, passou a ser um ralo para escoar esses recursos. É esse sistema que influencia o modelo econômico. Quais são as metas econômicas do governo federal? Não são metas de bem estar social. São metas de controlar a inflação e atingir o superávit primário. Se não há recurso para pagar a dívida e atingir o superávit, então o governo corta o orçamento de diversas áreas”, critica.
A auditora aposentada foi uma das seis estrangeiras escolhidas pelo presidente do Equador, Rafael Correa, para realizar uma auditoria da dívida pública do país, em 2007. Com essa atitude, o Equador reduziu em 70% o gasto com a dívida. “Foi uma lição de soberania ao mundo”, defende Maria Lucia.
Ela esteve em Porto Alegre nesta semana para participar do XXII Congresso da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (FENASTC).
“A dívida brasileira hoje, somando a externa e a interna, está em quase R$ 3,5 trilhões e absorve quase meio orçamento por ano. Em 2011, o governo pagou R$ 708 bilhões”
Sul21 – Como surgiu o movimento?
Maria Lucia Fattorelli - O movimento existe desde 2000, quando houve o grande plebiscito popular da dívida no Brasil. Esse plebiscito foi convocado por entidades da sociedade civil, igrejas, partidos políticos, sindicatos e associações. Foi realizado em mais de 3,3 mil municípios em todo o país e colheu mais de 6 milhões de votos. Em toda a década de 90, vínhamos debatendo esse assunto. Se o Brasil é tão rico, por que temos tantos problemas sociais? Chegamos à conclusão de que a mãe das dívidas sociais era a dívida externa. Na época, a face da dívida era a externa. O plebiscito que organizamos tinha três perguntas e uma delas era: “Você concorda em continuar pagando a dívida sem a realização da auditoria prevista na Constituição?”. A Constituição de 1988, no artigo 26 das disposições transitórias, prevê a realização de uma ampla auditoria por uma comissão mista convocada pelo Congresso Nacional. Terminado o plebiscito, entregamos os resultados para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Passaram-se meses e não aconteceu absolutamente nada, então as entidades voltaram a se reunir para discutir o que fazer. Mais de 80 entidades nacionais e alguns parlamentares propuseram a continuidade da luta iniciada com o plebiscito através de um movimento pela auditoria cidadã.
“Qual tem sido o peso da dívida na vida do cidadão?”, questiona a auditora | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Qual o objetivo do movimento?
Maria Lucia – Não queríamos ficar apenas cobrando a auditoria da dívida. Iríamos além. Iríamos tentar levantar o que fosse possível, com base em dados e documentos públicos. É o que temos feito ao longo desses 12 anos, acessando dados sobre a dívida pública da União, dos municípios e dos estados, sempre analisando o teor dos contratos e a sua conjuntura. Buscamos fazer uma auditoria integral, que não é simplesmente uma auditoria contábil. Comparamos dados divulgados pelo Ministério da Fazenda com os dados da contabilidade nacional, com a evolução do orçamento e com o peso da dívida no orçamento. Qual tem sido o peso da dívida na vida do cidadão? Com isso, conseguimos explicar porque o Brasil, sendo um dos países mais ricos do mundo, acumula tanta injustiça, tanta miséria e não oferece os serviços públicos aos quais a sociedade tem direito. Os recursos necessários para isso estão sendo sangrados pela dívida.
Sul21 – Quem são os profissionais que trabalham nessa auditoria?
Maria Lucia - É um movimento aberto. Tem mais de 50 entidades apoiadoras. E 99,9% dos que trabalham conosco são voluntários. Contamos principalmente com o trabalho voluntário de auditores da receita federal, dos tribunais de contas e das receitas estaduais, que doam seus conhecimentos para esta luta cidadã.
Sul21 – E que tipo de informações vocês já possuem sobre a dívida?
Maria Lucia - A dívida brasileira hoje, somando a externa e a interna, está em quase R$ 3,5 trilhões e absorve quase meio orçamento por ano. Ainda assim, a dívida continua aumentando. Em 2011, o governo pagou R$ 708 bilhões. Até início de outubro de 2012, já tínhamos atingido essa cifra. Em geral, o governo divulga uma cifra muito mais baixa do que essa, como se a dívida estivesse em torno de R$ 1,8 trilhão. Isso porque ele divulga a dívida líquida. É um conceito muito pouco claro em que se deduz alguns créditos da dívida bruta. O governo utiliza na dedução, por exemplo, o volume de reservas internacionais. Mas elas representam um ingresso quase nulo ao Brasil. Não dá para fazer esse encontro de contas. As reservas não estão disponíveis, se estivessem, poderíamos simplesmente reaver esse recurso e quitar uma parte da dívida, e isso não está sendo feito. A dívida que estamos pagando é bruta, é sobre ela que incidem os juros. Temos que tomar cuidado com essas maquiagens e conceitos que não são claros.
“Já não faz mais sentido falarmos, hoje, em dívida interna e externa. Precisamos falar em dívida pública ou dívida soberana, por conta da ausência de barreiras ao capital”
Sul21 – Afinal, o que compõe essa dívida?
Maria Lucia - Nosso endividamento nasceu junto com a “independência”. Para o que o mundo financeiro reconhecesse nossa independência, herdamos uma dívida que Portugal havia contraído com a Inglaterra para brigar contra a nossa independência. O valor era 3,1 milhões de libras esterlinas – na época, muito dinheiro. Em 1931, quando Getúlio Vargas assumiu, ele questionou o fato de haver tantas cobranças sem os respectivos contratos. Ele determinou que houvesse uma auditoria. O resultado foi impressionante: apenas 40% da dívida estava documentada. Não existia controle dos pagamentos, nem das remessas ao exterior. Isso permitiu o início de uma revisão e certamente ajudou na implantação dos direitos sociais garantidos naquele período. O período atual iniciou na década de 1970, quando a dívida externa era de US$ 5 bilhões. Durante essa década, esse valor se multiplicou por dez. Era algo totalmente sem transparência, e o que se dizia era que o crescimento da dívida ocorreu para financiar o “milagre econômico”. Em 2010, durante a CPI da Dívida, pedimos os contratos referentes à década de 1970. Apenas 16% da dívida estava explicada em contratos. Há uma grande suspeita de que boa parte desses 84% restantes tenha sido recursos que vieram justamente para financiar a ditadura. Imaginávamos que a maior parte dessa dívida era com o FMI. Mas, durante a CPI, fizemos um gráfico que mostra a natureza desses valores, de 1970 até 1994. O principal credor não era o FMI, mas, sim, os bancos privados internacionais. Então essa dívida da década de 1970 é a origem. Foi ela que deu margem a toda sequência de renegociações. Em 1983, por exemplo, essas dívidas foram transferidas para o Banco Central. Foi uma ilegalidade, pois como um agente financeiro nacional, ele não poderia ser, ao mesmo tempo, devedor. Isso foi uma exigência dos bancos privados. Em 1994, a dívida se transformou em bônus. Ela deixou de ser contratual e passou a se transformar em títulos, saindo do Banco Central para ficar a cargo do Tesouro Nacional. Hoje, a natureza desses R$ 3 trilhões de dívida é em títulos, tanto a externa quanto a interna. Restam pouquíssimos contratos de dívidas diretas e bilaterais com países.
Para Maria Lucia, conceitos de dívida externa e interna precisam ser revistos | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – A dívida interna inclui contratos internacionais?
Maria Lucia - Inlcui dívida com bancos internacionais. Já não faz mais sentido falarmos, hoje, em dívida interna e externa. Precisamos rever esses conceitos. Teoricamente, a dívida externa é aquela contraída em moeda estrangeira junto a residentes no exterior. A interna é aquela contraída em moeda nacional junto a residentes no país. Hoje, o mercado financeiro está dominando tudo. Quando o Tesouro Nacional emite títulos da dívida, quem tem o privilégio de comprá-los em primeira mão são os chamados “dealers”. Uma lista obtida com o Tesouro mostra quem são esses dealers: Citibank, J. P. Morgan, Santander, Barclays, Deutsche Bank, HSBC… Esses bancos estrangeiros compram diretamente os títulos da dívida interna. Então precisamos falar em dívida pública ou dívida soberana, justamente por conta dessas negociações e, também, por conta da ausência de barreiras ao capital. Grande parte da dívida interna está na mão de estrangeiros. E a dívida externa pode ser comprada por residentes no país, porque são meros papeis.
Sul21 – Nesse contexto, qual seria a utilidade de uma auditoria na dívida?
Maria Lucia – A auditoria iria verificar não apenas os números. Queremos entender qual é a contrapartida dessa dívida e em que condições ela se originou. Não podemos fazer um discurso moralista sobre o endividamento público, vendo a dívida sempre como algo perverso. A dívida pode e deveria ser um instrumento importante para o financiamento do Estado. Os recursos necessários para garantir uma vida digna a toda a sociedade e que não conseguirem ser obtidos por meio dos tributos poderiam ser captados por meio de endividamento. Mas um endividamento transparente, discutido publicamente – porque afinal quem vai pagar é povo – e a um custo razoável, com cláusulas contratuais coerentes. O que temos encontrado nas nossas investigações são quantias que se tornam dívida de um dia para o outro, cláusulas completamente absurdas, que afrontam o aparato legal brasileiro, e operações injustificadas.
“Dizem que se você enfrenta o sistema financeiro, o mundo desaba. E isso não aconteceu no Equador, o país não ficou isolado e continua tendo acesso a crédito”
Sul21 – Como foi a experiência de participar do processo de auditoria da dívida pública do Equador?
Maria Lucia - O caso equatoriano foi uma lição de soberania ao mundo. O presidente Rafael Correa criou, por decreto, uma comissão para realizar a auditoria da divida interna e externa. Foram nomeados integrantes dos órgãos públicos, juristas, professores, representantes de movimentos sociais e um grupo de seis estrangeiros. Eu tive a honra de ser convidada. Foi um processo que durou um ano e quatro meses. Entregamos ao presidente diversos relatórios para fins de organizar o trabalho. Uma equipe cuidou da dívida interna. Outra, da externa multinacional. Outra equipe cuidou da dívida bilateral. E um grupo – do qual eu fiz parte – ficou com os contratos com bancos. Entregamos em outubro de 2008 todos os relatórios e o presidente ficou particularmente interessado nos dados da dívida com os bancos, porque era a parcela maior, onde os juros eram mais caros. Conseguimos apresentar o relatório comprovando, com documentos, as diversas ilegalidades, irregularidades e até fraudes nesse processo. O presidente submeteu esse relatório ao crivo jurídico nacional e internacional e recebeu o aval de que o documento tinha sustentação jurídica. Em março de 2009, ele apresentou uma proposta soberana: arremataria a dívida por 30% do seu valor e estipulou um prazo para os detentores interessados entregarem seus títulos. Quem não estivesse interessado que entrasse na Justiça contra o Equador. Qual foi a grande surpresa? O mundo não caiu. Dizem que se você enfrenta o sistema financeiro, o mundo desaba. E isso não aconteceu no Equador. Cerca de 95% dos detentores acataram a proposta. Os outros 5% nunca apareceram. Ninguém entrou na Justiça contra o Equador. Isso demonstra que a auditoria é uma ferramenta que permite acessar a verdadeira história do endividamento. Depois dessa atitude, o Equador obteve um alívio orçamentário de US$ 7 bilhões, o que representa muito para a sua economia. E o país não ficou isolado, continua tendo acesso a créditos.
Maria Lucia foi a única brasileira a integrar o grupo de especialistas que realizou auditoria da dívida do Equador | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – E a dívida dos estados brasileiros com a União? Parece ser uma engenharia financeira bastante semelhante à da dívida nacional. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o empréstimo feito pelo governo federal foi de R$ 11 bilhões, em 1997. De 1999 a 2010, o estado já pagou R$ 22 bilhões e ainda continua devendo R$ 38 bilhões.
Maria Lucia - Pesquisamos a gênese desse acordo e constatamos que ele é muito parecido com os acordos que o FMI fazia com o Brasil. Há, inclusive, um memorando em que o Brasil se comprometia, junto ao FMI, a fazer o refinanciamento da dívida dos seus estados, retirando deles a prerrogativa de se autofinanciarem. Essa negociação estava associada a outros dois programas. Um deles era o PROES, que “saneava” os bancos públicos estaduais para que pudessem ser privatizados. Foi um verdadeiro pacote, igual aos pacotes que o FMI preparava para a União. Esses acordos foram feitos em bases extremamente onerosas e inaceitáveis, se consideramos que União e estados são entes federados. Um cidadão de Porto Alegre vive, ao mesmo tempo, na sua cidade, no seu estado e no seu país. E é ele quem paga essa dívida. Então, veja bem, não tem sentido o cidadão pagar juros para ele mesmo. É isso que acontece com essa dívida estadual: a União cobra juros dos estados. Esses contatos fracionaram os juros nominais. Isso possibilitou uma garantia de remuneração equivalente à atualização monetária, que é medida, nessa dívida, pelo IGPDI, um índice que mede a expectativa de inflação e considera questões cambiais – o que não faz sentido numa negociação entre entes federados. Que federalismo é esse?
Sul21 – A quais conclusões é possível chegar após a análise de todos esses dados?
Maria Lucia - Podemos dizer que existe um sistema da dívida. Ele consiste na usurpação do instrumento de endividamento público. Em vez de ser um instrumento que aporta recursos ao Estado, passou a ser um ralo para escoar esses recursos. É esse sistema que influencia o modelo econômico. Quais são as metas econômicas do governo federal? Não são metas de bem estar social. São metas de controlar a inflação e atingir o superávit primário. É tudo dirigido em torno da dívida, onde o sistema financeiro absorve a maior parte dos recursos. Se não há recurso para pagar a dívida e atingir o superávit, então o governo corta o orçamento de diversas áreas.
Informações do Tesouro Nacional apontam que maioria dos detentores de títulos da dívida brasileira são bancos internacionais | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Como a senhora vê a articulação do poder político em torno desse sistema da dívida? Não parece haver interesse dos grandes partidos e lideranças na discussão desse problema.
Maria Lucia - Já conseguimos arrancar a CPI da Dívida em 2010 na Câmara dos Deputados. É evidente que isso foi abafado pela mídia, mas conseguimos acesso a muitos documentos. Atualmente, existe uma CPI semelhante na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Mas essas investigações sofrem forte pressão do setor financeiro, que tenta abafá-las. Por isso precisamos criar uma pressão popular do outro lado. Para que isso ocorra, a sociedade precisa ter acesso à informação. Queremos criar uma mobilização consciente e derrubar a ideia de que esse tema é muito complexo, de que só especialistas muito qualificados poderiam entendê-lo. Precisamos de especialistas em órgãos públicos, mas todas as informações são perfeitamente traduzíveis para o conjunto da sociedade. São os cidadãos que estão pagando essas contas, eles precisam entender a importância desse tema.

Entrevista originalmente publicada no portal: www.sul21.com.br

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