terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Por Felipe Bandeira*



A crise financeira mundial, inaugurada em 2008 nos Estados Unidos, abriu um novo período histórico para a acumulação capitalista. A crise mostrou o grande cinismo do capital, onde 1% domina economicamente o mundo, ao passo que os outros 99% são submetidos a um regime de exploração cada vez mais perverso. Na Espanha, por exemplo, o índice de desemprego da juventude chegou a mais de 50%, na Grécia, salários foram reduzidos, o sistema de previdência foi desmontado, em Portugal, serviços públicos foram privatizados. Sem embargo, não fossem os bancos e os investidores financeiros atingidos em cheio pelos efeitos da crise, esta permaneceria emudecida - pelo menos pela grande mídia e os arautos intelectuais defensores da ordem  - e certamente ignorada. 


Como assinala David Harvey, entre os anos de 1998 e 2006, entre os afro-americanos e imigrantes latinos nos EUA, estima-se que perderam entre 71 bilhões e 93 bilhões de dólares em ativos ao se envolver com empréstimos conhecidos como subprimes. Foi necessário que a onda de despejos atingisse a classe média branca, nas áreas urbanas e suburbanas dos EUA, para que o problema se tornasse visível.


A desregulamentação financeira, os lucros exorbitantes de especuladores, a bolha imobiliária, os chamados créditos subprimes, levaram a bancarrota todos os grandes bancos de Wall Street. Em 15 de setembro de 2008, o dia em que o Lehman Brothers desabou foi decisivo, levando a insolvência diversos bancos, provocando uma cascata de falências e quebra-quebra das instituições financeiras.


Os títulos das hipotecas se amontoavam, títulos podres. Quem havia lucrado o suficiente para sustentar a população de um país inteiro nos últimos anos, de reprente se viu segurando papeis sem valor algum. Alguns meses antes, as maiores instituições de crédito, sobretudo de hipotecas norte americanas, Fennie Mae e Freddie Mac, tiveram que ser nacionalizadas, um prelúdio do colapso econômico. 


O descalabro financeiro achincalhou os mantras ideológicos do neoliberalismo. Em 17 de setembro, a Federal Reserve (Sistema de Reserva Federal dos EUA) anunciou um empréstimo de 85 bilhões de dólares a AIG, a maior seguradora dos EUA. Posteriormente, um segundo pacote de ajuda financeira no valor de 37,8 bilhões foi aprovado. No dia 1° de outubro de 2008 foi aprovado um pacote de ajuda financeira no valor de 850 bilhões de dólares, sendo 750 bi para comprar os títulos tóxicos da dívida, e os outros 150 bi na forma de cortes de impostos e incentivos fiscais. 


Como assinala Harvey, as crises financeiras servem para racionalizar as irracionalidades do capitalismo. Mas diferente das crises anteriores, a magnitude da crise atual mostra o auge de um padrão de crises financeiras que vem se tornando mais freqüentes e profundas ao longo dos anos, principalmente à partir de 1970 e inícios de 1980.


Como processo de rearticulação para a acumulação capitalista, principalmente após a crise do petróleo em 1973, os capitalistas passaram a reorganizar a hegemonia intelectual e econômica através dos princípios neoliberais. Havia, no entanto, uma grande questão para o capital.  Como sair da crise? A resposta veio através da repressão das forças trabalhistas. Na Europa, cortes nas áreas sociais e o endurecimento na repressão as greves, protagonizado pelo governo de Margareth Thatcher, nos EUA a política de anticomunista e liberal de Reagan, na América Latina, as ditaduras sanguinárias. Allan Budd, conselheiro-chefe econômico de Thatcher, mais tarde admitira que as políticas dos anos de 1980 de ataque à inflação com o arrocho da economia e gastos públicos foram um disfarce para esmagar os trabalhadores, e assim criar um exército industrial de reserva, que minaria o poder do trabalho e permitira aos capitalistas obter lucros fáceis para sempre. No EUA, o desemprego subiu, em nome do controle da inflação, para mais de 10% em 1982, resultado: os salários estagnaram.  Isso foi acompanhado por uma política de criminalização e encarceramento dos pobres que colocou mais de 2 milhões atrás das grades até o ano 2000.


A estratégia era empurrar os 99% para os guetos, favelas e cidades insalubres, precarizando serviços essenciais como transporte, saúde e educação. Dessa forma, se obtinha mão de obra barata e pouco organizada. No entanto, solucionado o problema do trabalho, outro obstáculo se pôs para a acumulação de capital. Uma economia de baixos salários, o consumo fica extremamente fragilizado, a economia débil, tornando lento o fluxo de capital.


De acordo com Harvey, a lacuna entre o que o trabalho estava ganhando e o que ele poderia gastar foi preenchida pelo crescimento da indústria de cartões de crédito e do aumento do endividamento. A dívida familiar disparou, o que demandou o apoio e a promoção das instituições financeiras às dívidas dos trabalhadores, cujos rendimentos não estavam aumentando. O mercado financeiro começou a se expandir para além das famílias constantemente empregadas, e no fim da década de 1990, atendia aqueles com rendimentos mais baixos. As instituições financeiras abarrotadas de créditos começaram a financiar a dívida das pessoas que não possuíam renda constante e o problema da demanda foi temporariamente superado, no que diz respeito a habitação, pelo financiamento da dívida pelos empreendedores. Desse modo, as instituições financeiras controlavam coletivamente tanto a oferta quanto a demanda por habitação! (Harvey, David. O Enigma do Capital. Boitempo, 2011).


Essa estratégia se espalhou para vários setores da economia, desde o financiamento de carros até roupas de grife. O fetiche de consumo foi acompanhado de um alto grau de endividamento. Era como se a economia funcionasse por um eterno blefe. As possíveis perdas eram controlados por inúmeras inovações financeiras de securitizações, que supostamente, partilhariam o risco, criando a ilusão que estes não existiam. 
Dessa forma, através das arquiteturas financeiras, os bancos que concediam os empréstimos de alto risco - os subprimes - recebiam cartão verde do mercado para aumentar ainda mais a oferta de crédito, pois instituições como a Fannie Mae e Freddie Mac, por exemplo, negociavam os pacotes das dívidas no mercado financeiro. Esses pacotes – securitizações – contaram com a anuência das agências de classificação de risco, que classificaram e AAA os títulos lastreados em hipotecas, ou seja, transações altamente “confiáveis e seguras”. A verdade é que todos estavam ocupados demais com transações cada vez mais lucrativas para se preocupar com os riscos.


Por outro lado, o problema da demanda para os EUA foi resolvido, pelo menos em parte, pela exportação de capital e a busca de novos mercados ao redor do mundo. Nesse sentido, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, os EUA fizeram empréstimos maciços para países em desenvolvimento como Brasil, México, Chile, Equador e até mesmo a Polônia. Assim surgiram as dívidas dos países em desenvolvimento, principalmente, na  América Latina e África, quando a taxa de juros tiveram uma alta galopante. Os programas de austeridade do FMI proliferaram pelo mundo inteiro. 


Os países, para honrar suas dívidas, tinham que pedir recorrentes empréstimos, somente para pagar os juros. Existia até mesmo aniversário dos socorros financeiros, como foi a ocasião do aniversário do vigésimo socorro financeiro do México, que foi aplaudido pelos economistas neoliberais como fator de confiança para os investidores internacionais. A máxima era, salvar e bancos e arrebentar o povo!


As barreiras técnicas para o fluxo de capital, sobretudo o financeiro, foram em grande parte diminuída e superadas. A globalização financeira fez com que aumentassem a concorrência interna entre os bancos. O negócio mais lucrativo fluía para onde o negócio regulatório fosse mais relaxado. A pressão político sobre os reguladores, muitos casos, o Estado e as instituições internacionais crescia. Na prática, o Partido de Wall Street dominava a economia mundial.  


De um valor ínfimo em 1990, esses mercados cresceram e passaram a circular cerca de 250 trilhões de dólares por ano em 2005, quando a estimativa de produção total mundial foi aproximadamente 45 trilhões de dólares(Harvey, David. O enigma do Capital, 2011), ou seja, 205 trilhões de dólares eram fruto de mera especulação, um dinheiro que não existia na prática. A crise teve impactos reais!


A farra das especulações, com um crescente incremento das arquiteturas financeiras,  desabou tão rapidamente como se fosse um castelo de cartas. Os excedentes de capitais das três últimas décadas foram reorganizados na economia mundial, provocando uma onda de privatizações, endividamento dos países em via de desenvolvimento e um número cada vez maior da base monetária dos países desenvolvidos. Tanto dinheiro possibilitou uma acumulação e concentração sem prescedentes na história do capitalismo. O resultado disso foi a crescente miséria e palperização do trabalho nos páises subdesenvolvidos.


Os protestos que estouraram no mundo inteiro, a primavera árabe, as jornadas de junho no Brasil sinalizam o caminho da contra hegemonia do capital. Mostraram que as forças sociais podem lutar pelo empoderamento dos excluídos, dos 99%. As teorias ortodoxas não conseguiram prever a crise, e não podem continuar nos informando   nos debates. A crise exige um novo nível de organização social. Precisamos desafiar pensamentos, ideologias e estruturas. A tragédia das finanças está posta.


A crise provocou uma desregulamentação global e perda de direitos. O símbolo de Wall Street é uma estátua de metal de um touro em seu centro. Em momentos de crise e ascenção de novas forças, nada mais importante do que a queda de velhos símbolos - O trouro está no chão! As ocupações de praças, tomadas das ruas, dos debates, apontam que a resposta para a crise não virá dos engravatados que a provocaram. Parafraseando Slavoj Zizek, as pessoas já tem sua resposta, elas só não conhecem as perguntas para quais são as resposta. 


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*Coordenador Geral da UES, estudante de Economia UFOPA,  militante do Juntos! Juventude em luta!

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