Por Felipe Bandeira[i]
Não deixa de ser fato menos questionável a naturalização de
ações arbitrárias do poder público em Santarém, como o recente caso de
devastação de aproximadamente 190 hectares às margens do lago do Juá. Esta não
é uma ação isolada, e vem conectada com forte processo de integração marginal
da região ao capital nacional e internacional, essencialmente pautando o uso
irracional dos recursos naturais, negligenciando os impactos sociais em detrimento
da engorda das poupanças de grandes companhias nacionais e multinacionais como
CARGILL, ALCOA, MRN, VALE, Buriti e outras. Este breve artigo tem como objetivo
colaborar nas discussões acerca dos recentes casos de desrespeito à população
santarena, enfatizando a importância da mobilização social como estratégia de
contraponto ao ideário único do desenvolvimento a todo custo.
Os contornos gerais desse processo impactam profundamente a
vida de cada cidadão. Quem não lembra das comunidades que permaneceram décadas
sem energia elétrica, tendo o céu rasgado pelo “linhão” que passavam
indiferentes por cima destas rumo aos projetos de extração mineral no sudeste
do Estado.
As políticas públicas para a região, desde a década de 1960,
trazem consigo a insígnia da modernização e do desenvolvimento como estratégia
para respaldar empreendimentos ambiental e socialmente prejudiciais à Amazônia.
Durante a ditadura militar, este processo ascendeu ao seu ápice, marcando
profundamente a estrutura econômica e política da região.
Um papel importante de contraponto à reprodução deste modelo
coube aos movimentos sociais organizados - como as Comunidades Eclesiais de
Base - que empunharam a bandeira de luta a favor de justiça social, garantindo
vitórias importantes, fortalecendo um projeto alternativo de sociedade. Neste
sentido, a participação social nos conflitos, longe dos determinismos
catastróficos que impregnam uma única via para a Amazônia, impõe a força
política destes, mostrando a complexidade e especificidade dos conflitos.
A divisão social do trabalho coloca a Amazônia como base
econômica primária, caracterizando a região como uma fronteira a ser
conquistada. Na década de 1970 esse foi um discurso muito forte, caracterizando
a região como um espaço vazio e pouco explorado. Por este motivo o governo
implantou os planos de integração, agindo principalmente na aberturas de
rodovias como a Transamazônica e a BR 163. Também foram incorporados a ação
estatal incentivos fiscais, primeiramente para pequenos produtores, afim de
trazer mão de obra para a região. Posteriormente, esses migrantes, grande parte
nordestinos, foram integres a própria sorte, abandonados e sem nenhuma
perspectiva de orientação, haja vista as dificuldades para produzir e
comercializar seus produtos.
Traçadas novas metas, o Estado passou a induzir enormes
vultos financeiros aos grandes projetos agrominerais como o poloamazônia com a
justificativa de consolidar núcleos de desenvolvimento, caracterizado o efeito
arrasto, quando os investimentos privados são impulsionados pelo Estado.
A partir da década de 1990, Santarém integra-se a fronteira
do agronegócio com o plantio das primeiras safras de soja. Em 2002, com a
implantação da Cargill houve um vertiginoso crescimento da produção de grãos.
Os conflitos ganharam tônica com a acentuada valorização do mercado de terras,
seguido da expulsão dos pequenos agricultores por conta dos conflitos rurais de
grilagem e a conivência dos órgãos púbicos. Um exemplo emblemático é o caso do
INCRA, que a partir de 2004 passa a ser superintendência regional se
desmembrando da superintendência do Pará (SR-01), por conta de inúmeros casos
de corrupção.
O Estado desempenha um importante papel, que longe de ser um
instrumento unívoco de ação de determinado grupo, também não deixa de ser um
agente que impulsiona a dominação econômica de grupos favorecidos, no entanto,
esse aspecto também depende da luta política, dentro da própria
institucionalização do Estado. O grau de desenvolvimento das lutas políticas e
mobilização social, neste sentido, são relevantes como possibilidades de
modificação da ordem. Traça-se desta forma a importância da luta política de
correlação de forças dentro e fora do próprio Estado.
A estratégia de luta para a Amazônia deve ser a luta contra
as grandes empresas, contra os projetos hidrelétricos, contra os grandes
empreendimentos imobiliários que vão de encontro ao interesses da população. A
consciência deve ser nossa principal arma, seguida de uma forte mobilização
social, que reivindique para si a responsabilidade de pensarmos o caminho
Amazônico do desenvolvimento.
O que aconteceu na área próxima ao Juá recentemente mostra
que os movimentos sociais devem estar mobilizados para acompanhar o tempo dos
mercados. Não foram poucos os que se assustaram com a velocidade imprimida na
devastação daquela área. Agora a guerra deve correr a passos lentos na justiça,
mesmo assim, a pressão social organizada e a luta política são essenciais para
o fortalecimento da pauta do Juá.
Como já afirmei no inicio deste texto, não se trata de um
caso avulso, o quadro de dominação se expande por todo o país e se apresenta de
maneira muito específica na nossa região, no entanto, o poder de organização
acompanha o poder de proposição e a responsabilidade de luta e transformação. Daí
a importância dos sindicatos, associações de moradores, cooperativas, enfim,
instituições que representem o avanço histórico da organização popular.
O sujeito coletivo não pode perder-se em reivindicações
vazias e pessoais. Um momento importante da luta política é a “catarse” que
marca a passagem do momento puramente egoísta para o da consciência coletiva. Esta
deve ser a ponta de lança nos enfrentamentos.
Não se pode negar que os desafios são enormes ao passo que
fica mais evidente a quem esta posta estas tarefas. Não se trata de uma ação de
dezenas, pois enquanto não nos tornarmos milhares, estaremos em desvantagens contra
os, que a custa de nossa desmobilização, nos saqueiam e violentam nossas
gerações.
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