Ib
Sales Tapajós
O cine-debate do
JUNTOS! contou com a presença de estudantes universitários, da UFOPA, UEPA,
ULBRA, mas também de muitos estudantes secundaristas e pré-vestibulandos. Uma
juventude ávida por debater e compreender a conjuntura latino-americana a
partir de uma ótica diferente das manipulações grosseiras da grande mídia (Rede
Globo e companhia).Nesse sentido, as discussões travadas foram muito
construtivas. Além dos facilitadores do debate, Maike Vieira (professor de
História) e Florêncio Vaz (doutor em antropologia da Ufopa), tiveram destaque
dois militantes latino-americanos históricos: a venezuelana Anne Cauwell e o
ex-guerrilheiro cubano Luís Lavandeyra.
A riqueza dos debates
travados no evento do JUNTOS! e a importância do tema me levaram a escrever
este artigo, quebusca compreender o significado da revolução bolivariana para a
Venezuela e o conjunto da América Latina.
Cine Debate: O legado de Chávez e o futuro da América Latina organizado pelo coletivo de juventude Juntos! |
Chávez venceu as
eleições presidenciais venezuelanas em um contexto histórico marcado pela
hegemonia do pensamento neoliberal no mundo inteiro. Com a queda do Muro de
Berlim em 1989 e o fim do chamado “socialismo real”, ganhou força a ideologia
reacionária do “fim da história”, de Francis Fukuyama, que dizia não haver
alternativa possível ao sistema capitalista.A ofensiva neoliberal impôs à
América Latina uma política de progressivo desmonte do Estado, associada à privatização
dos serviços públicos e à abertura das economias nacionais ao capital
internacional.
Aintensa propagaçãodo
“fim da história”gerou impactosaté mesmo em organizações políticas de esquerda
que passaram a enxergar a reforma do capitalismo como única estratégia viável. Exemplo
disso entre nós foi a adaptação ideológica do Partido dos Trabalhadores, cuja
direção passou a ter como eixo a construção de um “capitalismo humanizado”, em cooperação
com setores da burguesia brasileira (daí a aliança de Lula com o empresário
José de Alencar, do Partido Liberal, em 2002).
A vitória de Hugo
Chávez em 1998 significou um contraponto histórico a essa suposta vitória final
do capitalismo. Ainda que ele, inicialmente,não colocasse na ordem do dia a
necessidade de superação do sistema do capital, os rumos do processo
bolivariano acabaram levandoChávez a defender o socialismo do século XXI – uma
formulação política ainda embrionária, mas que recolou o tema do socialismo na
pauta de debates da Humanidade.
Eleito com um programa
nacionalista radical, já no início de seu governo, Chávez convoca um processo constituinte,o
qual contou com ampla participação popular,gerando a Constituição da República
Bolivariana da Venezuela de 1999, que foi aprovada em referendo e promoveu
mudanças significativas no regime político venezuelano. A nova Constituição deu
passos importantes em direção a uma democracia semidireta, com instrumentos de participação
popularnos principais assuntos do país. Além das eleições diretas e periódicas para
os cargos do Legislativo e Executivo, a Constituição de 1999 previu mecanismos
como consultas e referendos, revogação de mandatos e iniciativas legislativas
populares. Assim, percebemosque as afirmaçõesda grande mídia brasileira de que
Chávez é um “ditador” não passam de má-fé.
Após a aprovação da
nova Constituição, foi aprovado um conjunto de leis limitadoras da propriedade
privada, com destaque para a Leis de Terras, que proibiu a existência de
latifúndios superiores a 5 mil hectares, e a Lei dos Hidrocarbonetos, que
instaurou medidas de maior controle estatal sobre a renda petroleira.
É claro que tais
medidas foram consideradas uma heresia diante dalógica neoliberal. As elites
venezuelanas não tardaram a agir.Em abril de 2002, uma conspiração das
oligarquias nacionais, juntamente com um setor das Forças Armadas e com apoio
explícito dos meios de comunicação privados do país, chegou a depor Chávez do
poder por dois dias. O golpe contra o presidente foi aplaudido pelo governo dos
EUA, cuja participação nesse episódio restou evidente. Porém,uma grande
insurreição popular, um levante espontâneo das massas, reconduziu Chávez ao
poder. A partir daí, a revolução bolivariana se radicaliza. O enfrentamento com
a burguesia nacional e internacional toma maiores proporções.
Mesmo com a derrota do
golpe de 2002, a oposição continua executando planos de desestabilização, com
apoio da mídia privada. Em 2003, a burguesia organiza um locaute na PDVA
(empresa petroleira) e deixa o país sem abastecimento de combustível, gerando
um grande caos. Mais uma vez, a resposta veio do povo pobre, dos movimentos
sociais e operários, que ocuparam a PDVSA e garantiram o seu funcionamento. Como
resultado desse processo de enfrentamento, Chávez nacionalizaa PDVSA, fato que
representa um grande salto qualitativo no processo bolivariano.
Com a apropriação
pública dos recursos provenientes do petróleo, importantes mudanças econômicas
e sociais se operam no plano nacional. Assim, em 2005, a Venezuela se
transforma no segundo país latino-americano a erradicar o analfabetismo (Cuba
foi o primeiro). Em parceria com o governo cubano, Chávez promove também
importantes avanços na saúde pública.
Podemos dizer que o
motivo central das mudanças sociais ocorridas na Venezuela na última década foi
uma reorientação na destinação da renda petroleira. Antes de Chávez, a
principal riqueza do país era apropriada pela elite econômica nacional
associada ao capital financeiro internacional. Com a revolução bolivariana, o dinheiro
do petróleo passa a se dirigir essencialmente para a satisfação das
necessidades essenciais da população. Isso gera um aumento significativona
capacidade aquisitiva dos trabalhadores -o salário mínimo na Venezuela
corresponde atualmente a cerca de R$ 1.400,00.
Isso explica a imensa
legitimidade do projeto chavista perante o povo venezuelano, que pode ser
mensurada nas eleições presidenciais de 2012. Mesmo após 14 anos nopoder, com
todas as crises, problemas, contradições e ataques sofridos, Chávez foi
reeleito com 55% dos votos – praticamente o mesmo percentual de 1998. O Partido
Socialista Unificado da Venezuela (PSUV), fundado em 2007,conta hoje com cerca
de 5 milhões de filiados, num país de 30 milhões de habitantes. Não há dúvidas
de que a revolução bolivariana está profundamente enraizada na consciência das
pessoas, de modo que derrotar o chavismo, mesmo após a morte de Chávez, não
será uma tarefa fácil para a oposição.
O
significado da revolução bolivariana para o conjunto da América Latina
As mudanças operadas
pelo Governo Chávez não se esgotam no âmbito nacional. A revolução bolivariana
inaugurou uma nova fase na América Latina, com a ascensão ao poder de inúmeros
líderes populares, que mudaram a orientação de seus países perante o imperialismo
norte-americano. Países como Equador, Bolívia, Paraguai, Honduras, Uruguai e,
em certa medida, Argentina e Brasil, fizeram parte de um mesmo processo que
alterou a geopolítica da região. Embora haja uma grande diferença entre os
governos destes países (entre Lula/Dilma e Chávez, a diferença é enorme!), o
novo bloco formadodeixou de aceitar passivamente a ideia d a América Latina como
quintal dos EUA.
Além da Venezuela, essa
nova postura se reflete com maior profundidade no Equador e na Bolívia, cujos
governos têm um perfil claramente anti-imperialista. O Equador de Rafael Correa
realizou há poucos anos uma auditoria da sua dívida pública, quereduziu em mais
de 60% o montante a ser pago aos credores nacionais e internacionais. Uma
medida essencial de combate à usura do capital financeiro. Foi também o Governo
Correa que decidiuconceder asilo político a Julian Assange, líder do Wikileaks,que
desnudou a política externa criminosa dos EUA, sofrendo por isso uma severa
perseguição internacional.Na Bolívia, o presidente indígena Evo Morales tomou
medidas importantes, no sentido de nacionalizar os recursos naturais do país, a
exemplo de Chávez.
O avanços alcançados nesses
3 países (Venezuela, Bolívia e Equador), que são o polo mais avançado da
América Latina, têm uma origem parecida:a combinação das lutas sociais com a
vitória eleitoral de líderes políticos de esquerda. Não dá para explicar a
ascensão de Chávez ao poder sem a rebelião popular conhecida como Caracazo (1989),
nem a vitória de Evo sem a Guerra da Água em 2000. Essa
articulação entre a mobilização das massas ea disputa institucional se mostrou
uma estratégia apta a produzir grandes mudanças sociais, políticas e
econômicas.
No entanto, a morte de
Chávez joga um ponto de interrogação sobre o continente: e agora, para onde vai
a América Latina? Assim como o início da revolução bolivariana inspirou
vitórias populares em vários outros países vizinhos, a contrario sensu, uma derrota das forças chavistas nas eleições
presidenciais marcadas para abril de 2013 pode gerar também um grave retrocesso
não apenas na Venezuela, mas em toda a região. Muita coisa está em jogona
disputa entre Nicolas Maduro, herdeiro político de Chávez, e Capriles,
principal expressão eleitoral da oposição venezuelana.
De todo modo, a
continuidade da revolução bolivariana sem o seu maior líder depende
fundamentalmente da organização e mobilização popular. Depende do povo pobre
que se rebelou em 1989 no Caracazo, o povo que desceu dos morros para derrotar
o golpe de 2002, o povo queocupou a PDVSA e conquistou a nacionalização do
petróleo, o povo que foi o principal beneficiado com os 14 anos de Governo
Chávez. É esse mesmo povo que tem de continuar protagonizando sua própria História,
não apenas paradar continuidadeao processo bolivariano, como também para
aprofundá-lo, na direção de uma sociedade pós-capitalista.
O
papel da juventude na luta anticapitalista e anti-imperialista
A morte de Chávez e as
eleições venezuelanas são eventos que se situam em uma conjuntura internacional
crítica, instável, mas na qual se abrem importantes caminhos. Se por um lado a
crise econômica ataca os direitos da classe trabalhadora e da juventude em
vários cantos do mundo, por outro ela propicia o surgimento de novos movimentos
de luta e contestação aos regimes políticos controlados pelocapital financeiro
e pelas grandes corporações. As revoluções árabes no norte da África e no
Oriente Médio, o fortalecimento da luta do povo palestino, o movimento dos
indignados na Europa, o Occupy Wall Street, as greves recentes na Argentinae as
mobilizações estudantis no Chile são um conjunto diversificado de respostas dos
povos contra as mazelas do sistema capitalista, que abrem espaço para a
construção dealternativas políticas.
É com esse intuito, de
pensar e construir alternativas, que jovens de mais de 10 países vão se reunir
no final de março em Buenos Aires, no I Acampamento Internacional da Juventude
Anticapitalista e Anti-imperialista. Será um espaço de interação e articulação
entre ativistas que lutam em seus respectivos países por um futuro diferente
para a Humanidade. Estarão presentes em Buenos Aires representantes de
organizações de juventude de países da América do Sul, América Central e
Europa.Merecem destaque, pela conjuntura atual, a juventude socialistado MST
argentino, integrantes do Syriza, coalização anticapitalista grega que chegou
perto de ganhar as últimas eleições do país, e a juventude do Marea Socialista,
corrente interna do PSUV, jovens lideranças que ajudam no dia-a-dia a construir
a revolução bolivariana.
Do Brasil, o JUNTOS! é
a organização de juventude que estará presente no Acampamento, para somar
esforços com as lutadores anticapitalistas de diversas partes do mundo. Em
razão da diversidade de sujeitos políticos que irão se encontrar na Argentina, não
esta dúvida de que o Acampamento é uma iniciativa de grande relevância para a
construção de um novo futuro. Ele é prova de que um expressivo setor da
juventude mundial está ciente do grande desafio civilizatório que temos pela
frente: construir uma sociedade justa e livre da exploração e da opressão.Em
outras palavras, perseguir o sonho de Chávez e de diversos outros lutadores e
lutadoras: a construção do socialismo do século XXI.
Ib
Sales Tapajós é graduado em Direito pela UFOPA. Foi
coordenador-geral da UES. Hojefaz parte do Grupo de Trabalho Nacional do
Juntos! e da Executiva Municipal do PSOL em Santarém.
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