segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Por Felipe Bandeira[i]


Alexis Tsipras, Primeiro Ministro grego eleito em 25 de janeiro de 2015  e líder do partido de esquerda radical Syriza. 



O neoliberalismo, nos últimos 20 anos, levou os países do sul da Europa ao abismo da austeridade e a um estado de calamidade social. Os levantes juvenis, seguido das marés proletárias (greves gerais em diversos setores) são frutos da contestação ao caos econômico e social, decorrente das desastrosas políticas neoliberais.


As raízes desse processo residem no processo de reorganização política na segunda metade do século XX, levando a rupturas com regimes autoritários como o governo militar na Grécia, o franquismo na Espanha e o salazismo em Portugal. A transição democrática nesses países, feita em termos muito desiguais, reorganizou o poder político por cima, limitando o desenvolvimento de uma democracia de fato participativa.


O “austericídio” gerou um processo histórico de crise política, econômica e social. Os índices alarmantes de desemprego (chegando a mais 60% da juventude da Grécia e Espanha), a retirada de direitos sociais e trabalhistas, as privatizações e a redução dos salários relegou grande parte da classe trabalhadora a uma situação de carestia e fome.


A tomada de consciência mostrou que o Estado não representa os interesses da população, mas sim de castas financeiras. Esta foi a origem do movimento dos indignados, cuja maturidade foi a causa do surgimento do Podemos na Espanha e a vitória do Syriza na Grécia.


A nova gramática política combina a luta por democracia real, combate às medidas de austeridade e a construção de alternativas políticas com capacidade real de tomada de poder.


Syriza e os desafios de um governo anti-austeridade


O grande mérito do Syriza foi trazer ao centro do debate um discurso diferente à distopia neoliberal. Nos últimos 5 anos, a sociedade grega assimilou - e fez sobre um método abreviado - ensinamentos e experiências, que em períodos normais deveriam demorar décadas. A vitória eleitoral no dia 25 de janeiro poderá marcar a catarse que distingue a transição entre a guerra de posição, cujo objetivo é o acúmulo de forças, e a guerra de movimento, possibilitando condições para tomada de poder.


Por isso, os próximos passos de negociações com o bloco europeu serão imprescindíveis para a viabilidade do governo de Tsipras. De acordo com Stathis Kouvelakis, membro do Comitê central do Syriza, os tempos são críticos para a Grécia. Kouvelakis afirma que as negociações com o eurogrupo são um verdadeiro paradoxo, dada a completa assimetria de correlação de forças.


Para ganhar tempo e margem de fôlego, o governo grego entrou com o pedido de adiamento do Programa de Assistência Econômica e Financeira. Na última sexta-feira, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, que havia negociado em separado com o ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, e o da Alemanha Wolfgang Schauble e membros do FMI, publicou a decisão do eurogrupo em estender por mais quatro meses o pagamento da divida grega.


Claro está que o bloco europeu ao endurecer com o governo grego, cumpre o “papel disciplinador”, promovendo deliberadamente a intimidação a possíveis governos anti-austeridade, como é o caso do Podemos na Espanha e o Bloco de Esquerda em Portugal.


A origem do endividamento grego


A recessão de 1973/74 interrompeu o período eufórico de acumulação capitalista no pós-guerra. A queda contínua da taxa de lucros atingiu a acumulação e os investimentos. Nos anos subsequentes, sucederam conjunturas de crescimento medíocre, financiadas pelo crédito e pelo endividamento, marcadas por frequentes recessões internas que culminaram na crise econômica de 2008/2009.


Desta forma, o período que segue a partir de 1980 exigiu uma redefinição da estratégia de acumulação capitalista, modificando as arquiteturas financeiras, flexibilizando o crédito e fortalecendo o setor financeiro.


A crise mostrou o descalabro entre a desproporção do crédito disponível e a taxa de investimento. Quando a taxa de juro subiu, milhares de tomadores não tiveram como pagar os empréstimos, levando à falência centenas de bancos.


Na Europa, em atmosfera de pânico e reuniões de emergência, a União Europeia levou os países da eurozona a realizarem uma série de operações de “salvamento bancário”. Desta forma, os Estados emitiram grande quantidade de bônus soberanos, transformando a crise bancária em crise da dívida soberana.


A crise do endividamento dos países do sul provém do excesso de crédito dos bancos privados, sobretudo os bancos alemães e holandeses, que inundaram de euros países como a Grécia, Portugal e Espanha. Com as contas destruídas, os governos da socialdemocracia, por fim, trataram de aumentar o fosso econômico, contraindo novos empréstimos para tapar o rombo orçamentário. O resultado foi a redução de 25% do PIB grego nos últimos anos, contrastando com o aumento vertiginoso do endividamento do país, em cerca de 175% em relação ao PIB.


Somado a isto, o crescimento grego, há pelo menos 10 anos, apresentava baixas taxas de imposto sobre os rendimentos, associado a uma evasão fiscal maciça, gerando déficits contínuos. O problema de insolvência da Grécia atingiria índices alarmantes a partir de 2010, quando o plano de “salvação financeira” entrou em vigor.


O fracasso do plano de salvação e as contrarreformas neoliberais impostas pela Troika (bloco político formado pela União Européia, Banco Central Europeu e FMI) acabaram por aumentar de forma vertiginosa o desemprego, reduzir o poder de compra do salário, aumentar a tributação e liquidar com a base produtiva do país. Somente no final de 2010, a dívida pública da Grécia aumentou 42,8 milhões de euros, ou 10% do PIB.


Neocolonialismo na União Europeia



O ministro das finanças alemão, Shauble e o ministro das finanças grego Varoufakis. O primeiro defende que a linha de austeridade da Troika deve continuar, o segundo defende a ruptura com o financiamento. 


Um dos aspectos marcantes da política da UE é o enfraquecimento da democracia. Implementado à esteira das imposições orçamentárias aos Estados-membros, países economicamente dominantes como a Alemanha e a França promovem o neocolonialismo, interferindo na soberania dos países deficitários e forçando margens cada vez maiores de superávit primário.


A chantagem da inevitabilidade da austeridade reduziram políticas de governo a decisões de tecnocratas do Banco Central Europeu. A tensão entre acumulação capitalista e os regimes democráticos culminaram no desmantelamento do estado de bem-estar social, provocando fissuras no bloco de dominação. Como afirma Bruno Góis, militante do Bloco de Esquerda em Portugal, nenhum “credor” de uma dívida soberana pode impor mudanças de regimes sociais, destruição do património público e ruína da economia. Querem decidir desde a propriedade da água ao código de trabalho e ao número de autarquias. Sem soberania popular não há democracia!


É contra o neocolonialismo da UE que não somente o Syriza, mas todos os movimentos anti-austeirdade deverão se confrontar. Este desafio não será nada fácil. A Troika já sinalizou intransigência na negociação da dívida.


A vitória parcial do governo grego, prorrogando por quatro meses o pagamento do pacote de ajuda financeira, é um sinal de que a Grécia não está sozinha.


Como ficou claro nos últimos dias, a luta principal não será travada apenas nas reuniões do bloco europeu. As manifestações em apoio ao Syriza, o crescimento do Podemos na Espanha e do Bloco de esquerda em Portugal serão fundamentais na queda de braço contra o establishment europeu.

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[i] Coordenador Geral da União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES), militante do movimento de juventude Juntos! e estudante de Ciências Econômicas na UFOPA.

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