domingo, 24 de novembro de 2013


A política do café com leite foi a força dominante nos primeiros anos de república. Os avanços e recuos revelam que nosso país foi construído enviesado, de cima para baixo. 


Por Felipe Bandeira*




O ano de 1930 sintetizou um período bastante emblemático da nossa história. As profundas mudanças pelas quais passaria não só o Brasil, mas o mundo após a crise de 1929, inaugurou a crise do liberalismo e da decadente democracia liberal burguesa. No vazio político e econômico do liberalismo clássico se fortaleceu os terríveis regimes autoritários, como o fascismo e o nazismo. No Brasil, Getúlio Vargas assumiria o poder, depois de um golpe militar que pôs um ponto final na velha política do café com leite. Em seu lugar se instituíra um Estado de feição moderna, em via da industrialização e altamente centralizado.

Em 1926, Washington Luiz fora eleito presidente do Brasil. Apesar de sua candidatura emergir da política do café com Leite, onde São Paulo e Minas Gerais se revezavam no poder, Washington Luiz mostrava uma clara tendência à valorização do mil réis ao invés da política de valorização do café. Era explícito que a escolha de uma implicaria na negação da outra. Dessa forma, seu governo, apesar de marcado pela continuidade, trouxe algumas mudanças no cenário político.

A maior delas foi o fim do Estado de sítio renovado ininterruptas vezes deste o levante do forte de Copacabana em 1922, passando pelos levantes tenentistas e a Coluna de Prestes. O clima de aparente liberdade, logo deu lugar às perseguições. Após 6 meses após a posse, entrou em vigor, por inspiração do governo, a chamada Lei Celerada. De acordo com Oscar Pilagallo, esta lei foi feita sob medida para agradar os investidores estrangeiros, sobretudo aos britânicos. Na prática, inviabilizava reivindicações salariais, o governo passou a ter o poder de fechar os sindicatos e os grevistas ficaram sujeitos à duras penas de prisão, além de colocar na ilegalidade o Partido Comunista (PCB). “A questão social é um caso de polícia”, costumava dizer Washington Luiz.

Apesar de eleito sob um arranjo de cúpula que dominava a política nacional, Washington não seguia ao pé da letra a política do café com Leite. Quando em meados do seu mandado, como de costume, se começou a discutir um nome sucessório, o então presidente surpreendeu a todos com a defesa do nome de Júlio Prestes, signatário da política liberal de valorização da moeda e reconhecido deputado de São Paulo. A decisão não agradou aos mineiros que deveriam assumir a presidência de acordo com o pacto da velha república. Descontente com a decisão, o governador de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, passou a articular um movimento contra a candidatura de Júlio Prestes. Tinha início a articulação da Frente Liberal.

Andrada foi procurar apoio no Rio Grande do Sul, Estado até então tido como secundário na política nacional. Líder de uma nova geração de políticos, Getúlio Vargas era governador do Estado. O acordo entre Minas Gerais e Rio Grande do Sul foi realizado em junho de 1929 e ficou conhecido como Pacto do Hotel Glória. Combinou-se que Minas Gerais não teria candidato e deveria apoiar o candidato gaúcho. Poucos meses depois se anunciava a chapa de oposição composta por Getúlio Vargas (RS) e João Pessoa (PB) vice.

A campanha foi empolgante para os padrões da velha república. Passeatas, discursos, panfletagem nas ruas, enfim, um cenário de disputa estranho a monotonia das eleições de cartas marcadas. No país inteiro se organizou uma forte frente de oposição. No entanto, como era de costume, dificilmente uma candidatura de oposição poderia se eleger. O resultado final deu ampla margem à candidatura de Júlio Prestes que obteve 59% dos votos.

O resultado foi um balde de água fria aos interesses da frente liberal. Começou-se então maquinar uma forma de intervenção armada para a conquista do poder. Mesmo a radicalização parecia uma estratégia inócua, pois havia o risco de uma revolução proletária. Andrada costumava dizer, que deveriam fazer a revolução antes que o povo a faça. Apesar do clima de instabilidade, a oposição não reunia força para o embate. João Pessoa costumava dizer que preferia dez Júlio Prestes a uma revolução comunista. A frase representou a ironia da história.

Morto em 1929, por motivações pessoais por um adversário político e aliado do grupo de Washington e Júlio Prestes, João Pessoa, enquanto vivo, foi uma voz ativa contra a revolução, mas João Pessoa morto foi o verdadeiro rearticulador do movimento revolucionário.

A revolução eclodiu em 3 de outubro, pouco mais de 2 meses depois da morte de João Pessoa. As forças do pacto do Hotel Glória acusavam o governo comandar a morte de João. A oposição logo tomou o poder, enfrentando focos de resistência, conseguiram vencer após poucas semanas. O Estado que mais ofereceu resistência foi São Paulo, o centro político e econômico do Brasil, devido ser este o maior beneficiado pela continuidade. Após vários conflitos, o Washington Luiz, que ainda nem repassara a faixa presidencial ao seu sucessor foi deposto faltando um mês para o término do seu mandato.

Apesar de não representar um programa coerente, de ser, como afirma Florestan Fernandes, uma revolução de cima para baixo, 1930, foi um marco político importante para o Brasil moderno. Os avanços se mesclavam e se confundiam com os retrocessos, fato que se seguiu durante toda a história moderna do país.

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*Coordenador Geral da UES, estudante de economia UFOPA e militante do Juntos!


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