terça-feira, 6 de abril de 2010

Por Ib Sales Tapajós*
Vivemos no Brasil uma crescente expansão de instituições privadas de ensino superior (IPES), processo que se consolidou a partir da década de 90 e que continua caminhando a passos largos. De acordo com o Censo do Ministério da Educação de 2007, houve um aumento de 300% no número dessas instituições entre 1991 e 2006, ao passo que, nesse mesmo período, as universidades públicas cresceram apenas 11%.
Tais números são reflexos do novo papel atribuído ao Estado brasileiro pela política neoliberal dos últimos governos: um Estado mínimo, que outorga à iniciativa privada a responsabilidade pela prestação de serviços essenciais como educação, saúde e previdência social. Daí o Brasil ser hoje o país com maior índice de privatização da educação superior da América Latina e um dos cinco de maior privatização a nível mundial, considerados o número de instituições e o percentual de matrículas – aproximadamente 75% dos estudantes universitários brasileiros estão matriculados em instituições particulares.
É importante salientar que essa acelerada expansão do ensino privado acontece sem a necessária regulamentação pelo poder público. A maioria das IPES não obedece ao tripé universitário do ensino, pesquisa e extensão, sendo apenas instituições de ensino. Não há uma lei que controle efetivamente o aumento no valor das mensalidades, que, via de regra, ocorre todo ano em percentuais bastante elevados.
A União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES) realizou, nos dias 17 e 18 de março de 2010, um Seminário no Centro Universitário Luterano de Santarém (CEULS/ULBRA), que trouxe à tona várias discussões relevantes acerca do ensino superior privado. Dentre elas destacou-se a questão dos direitos estudantis nas IPES.
Nesse sentido, foi colocada à discussão a cobrança de taxas pelo fornecimento de documentos relacionados à situação do estudante na instituição, como declarações de matrícula, históricos acadêmicos e o diploma de conclusão de curso. Além do pagamento das caras mensalidades, o acadêmico se vê obrigado a arcar com quantias consideráveis por documentos que são seus de direito, mas que as IPES só entregam mediante contraprestação monetária. Uma simples declaração de matrícula custa, em média, R$ 10,00. A taxa de diploma – documento comprobatório da conclusão bem sucedida de um curso superior – custa cerca de R$ 50,00. O resultado desse alto custo financeiro do ensino prestado por instituições privadas são as altas taxas de evasão, que atingem no Brasil o patamar de 50%.
Ocorre, porém, que a cobrança de taxas pelo fornecimento de documentos, além de abusiva, contraria a própria Constituição Federal, que dispõe, em seu art. 5º, inciso XXXIV: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”.
Apesar de a Lei se referir a “repartições públicas”, o entendimento consolidado no meio jurídico é de que a regra se impõe a toda e qualquer instituição prestadora de serviço público. Ora, a educação é direito de todos e dever do Estado. É um serviço público que o Estado permite seja prestado pelo setor privado, através do atendimento de algumas condições, que estão estampadas na Constituição e na legislação pertinente. Desse modo, a vedação do art. 5º, XXXIV, alcança também as IPES.
Por outro lado, há que se ressaltar que o fornecimento de diplomas, históricos e declarações são despesas ordinárias da instituição de ensino, já sendo cobertas pelo valor das mensalidades. Portanto, a cobrança de taxas por esses documentos é inconstitucional. Esse é o entendimento que tem prevalecido nos tribunais brasileiros.
Outra questão polêmica que surgiu no evento realizado pela UES foi a situação dos acadêmicos bolsistas do Programa Universidade para Todos (PROUNI). Foi levantado o caso do próprio CEULS/ULBRA, onde os titulares de bolsas integrais do PROUNI não têm a possibilidade de acesso a bolsas de pesquisa e extensão. Tida como discriminatória por tais estudantes, a medida foi justificada pela Direção com o argumento de que a ULBRA não paga bolsa em dinheiro para nenhum estudante, apenas concede descontos ou isenções na mensalidade de discentes que tenham alguma bolsa de pesquisa ou extensão na instituição.
Tal justificativa não nos parece razoável, tendo em vista que o custo das vagas do PROUNI não é arcado pela instituição de ensino, e sim pelo Governo Federal, através de isenções fiscais. A própria lei que rege o Programa – Lei nº 11.096/2005 - veda esse tipo de restrição em seu art. 4º, ao dispor que “Todos os alunos da instituição, inclusive os beneficiários do PROUNI, estarão igualmente regidos pelas mesmas normas e regulamentos internos da instituição”.
O impedimento de acesso de bolsistas do PROUNI a bolsas de extensão e pesquisa compromete a formação de qualidade desses acadêmicos, que depende fundamentalmente dessas duas atividades. Logo, a restrição não é compatível com o alegado objetivo de democratização da Universidade propagado pelo Governo Federal.
Esses dois exemplos de violação aos direitos estudantis praticados pelas direções de instituições particulares demonstram a necessidade urgente de organização dos acadêmicos. A construção de entidades estudantis representativas, especialmente Centros Acadêmicos, deve ser levada a sério no intuito de garantir o respeito a direitos já previstos nas leis brasileiras, bem como para conquistar novos direitos. Dentre estes, destaca-se a necessidade de uma lei que regule efetivamente o reajuste de mensalidades, coibindo os aumentos abusivos comumente praticados pelas instituições de ensino.
Dessa forma, a organização estudantil é fundamental não apenas para a preservação e conquista de direitos, mas também, e acima de tudo, para garantir uma verdadeira democratização do ensino superior no Brasil. Esse é o nosso grande desafio.
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* Ib Sales Tapajós é coordenador geral da União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES)

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