sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Por Luã Kramer de Oliveira*
Está chegando novamente o momento da realização do ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), e este ano para os cursos de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, Biologia, Ciências Sociais, Computação, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Matemática, Química, Pedagogia, Educação Física, Artes Visuais e Música. Também para os cursos de tecnólogo em Alimentos, Construção de Edifícios, Automação Industrial, Gestão da Produção Industrial, Manutenção Industrial, Processos Químicos, Fabricação Mecânica, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Redes de Computadores e Saneamento Ambiental das Instituições de Ensino Superior do país. E mais uma vez é hora retomarmos o debate desta “avaliação” entre os estudantes.
Legalmente o ENADE é pra ser uma “avaliação de desempenho dos estudantes dos cursos de graduação” previsto no SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – Lei 10.861/2004). A aplicação deste exame nos remete a algumas questões: qual a finalidade de uma avaliação do “desempenho” dos estudantes? O desempenho do estudante já não é avaliado cotidianamente durante o curso todo? Um exame padronizado nacionalmente consegue avaliar melhor do que os processos de avaliação realizados durante o curso? De que forma esse tipo de exame serve como indicador de qualidade das Instituições de Ensino Superior (IES)?
Essa nuvem de interrogações começa a ficar mais clara quando buscamos: o objetivo do exame, o contexto da aprovação do SINAES e o (re)surgimento do ENADE.
Anteriormente ao SINAES os cursos eram avaliados e reconhecidos somente pelo “Provão” (Lei 9.131/95) direcionado aos estudantes, e quando o resultado de um determinado curso, ou seja, o desempenho médio dos estudantes atingiam um resultado satisfatório, o curso mantinha-se reconhecido no MEC.
Desde aquele tempo o Movimento Estudantil (ME) organizava boicotes ao “Provão”, pois entendiam que esse tipo de avaliação legitimava o ensino superior de má qualidade oferecido pelas instituições públicas e principalmente privadas, que cresciam e continuam a crescer vertiginosamente. Boicotavam também por compreender que o rankeamento do resultado do “provão” era usado como marketing para as empresas de educação superior como forma de atrair consumidores e elevar o preço de sua mercadoria, a educação. Em conjunto com os servidores técnicos e docentes o ME pautava uma avaliação que contemplasse elementos institucionais, como infraestrutura, acervo bibliográfico, quadro de funcionários técnicos e docentes, projetos de pesquisa e extensão, compromisso social, assistência estudantil, entre outros.
A aprovação do SINAES e do ENADE: contradições e metamorfoses
O SINAES foi apresentado pelo governo (MP 147/03) como uma forma de “superação” do “Provão”, pois apresentava em sua formulação a avaliação institucional e de cursos, sem a aplicação da avaliação dos estudantes. Mesmo sem o aspecto da avaliação dos estudantes, o SINAES ainda continha em seu conteúdo a atribuição de “notas” ás IES e cursos, permitindo que as IES se utilizassem destas notas de forma publicitária. O ENADE surge no SINAES durante a tramitação do SINAES no Congresso para sua aprovação enquanto lei, desta forma ressurgindo o mesmo “provão”, com outro nome, ENADE, e pequenas mudanças na aplicação, mas com a mesma lógica.
Existem vários elementos a serem discutidos no ENADE, mas cabe ressaltar um emblemático, a possibilidade de PREMIAÇÃO para os estudantes com melhor desempenho no ENADE, previsto no Art. 5º da lei. Este aspecto demarca claramente o interesse do mercado da educação em promover uma competitividade entre os estudantes para buscarem maiores notas. A busca dos estudantes pelas premiações é claramente observada e compreensível, pois em universidades particulares a maioria dos estudantes não tem renda suficiente para pagar suas mensalidades, e nas universidades públicas a reitoria não garante assistência estudantil suficiente. Esta premiação perversa manipula um desejo e necessidade do estudante para este buscar aquilo que a empresa do ensino superior quer, notas altas.
A aprovação do SINAES/ENADE em 2004 antecipou a aprovação do Decreto do REUNI (Decreto 6.096/2007), que possui como objetivo a expansão e reestruturação das Universidades Federais, para uma Universidade que objetiva metas de taxa de conclusão de cursos de 90%, de aumentar do coeficiente professor/aluno de 12 para 18, de aumentar as vagas sem a estrutura e financiamento adequado. Esta constatação nos leva a concluir que o SINAES e o REUNI não são políticas isoladas umas das outras, pois uma pseudo-avaliação legitima uma política de precarização do Ensino Superior Público.
No SINAES aprovado em 2004 não estava claro qual era o peso de cada avaliação (instituição, curso e estudante) no reconhecimento dos cursos e IES. Isso só vai ficar explícito na Portaria Normativa n°40, de 12/12/2007, na qual nas avaliações dos cursos é criado o termo CPC (Conceito Preliminar do Curso). O CPC é a nota do ENADE, sendo que, se esta nota no curso for maior que 3, pode-se dispensar a avaliação in loco para revalidar seu reconhecimento, ou seja, dispensar a presença dos avaliadores no local de estudo para visualizar concretamente as condições da infraestrutura, projetos de pesquisa e extensão, cumprimento do projeto pedagógico do curso, assistência estudantil, acervo bibliográfico, etc. Este CPC é normatizado na Portaria Normativa nº 4, de 05/09/2008.
Resumo da ópera, do “provão” até o ENADE dos dias de hoje, a avaliação dos cursos e instituições mudou pouquíssimo. É comum e naturalizado em muitas IES, principalmente ás particulares, a realização de simulados do ENADE, ou algo do gênero, para “treinar” os estudantes a irem bem nas no ENADE. O assédio aos estudantes para que estes consigam resultados satisfatórios no exame é cada vez mais sintomático e percebido de várias formas, seja por prêmios oferecidos pela própria instituição, pelos resultados alcançados nestes simulados, por ameaças de retenção de diploma, pela perda de espaço no “mercado de trabalho”, ou da utilização da nota em seleções de concursos.
Não deixe que nos enganem, esses discursos são vazios, a obrigatoriedade do ENADE é quanto a presença no dia da prova; o boicote proposto é colarmos o adesivo na prova e assinarmos a lista de presença; não é permitido a publicação de sua nota do ENADE em nenhum documento ou algo similar; em nenhuma seleção de emprego, pós-graduação, concurso, etc. podem exigir sua nota do ENADE como critério.
O Boicote ao ENADE e a Avaliação dos Cursos
Com a aprovação do ENADE em 2004, o Movimento Estudantil, articulado pelo Fórum Nacional de Executivas e Federações de Curso (FENEX) começou a campanha pelo boicote ao ENADE, no sentido de não contribuir na legitimação da má qualidade e da privatização da educação. De lá até hoje o FENEX vem sendo realizado, sempre com a participação das executivas, no qual além do debate de outros temas do ME, o debate do ENADE continua.
O Movimento Estudantil, por meio do FENEX, vem refletindo sobre o papel dos estudantes proporem ações referentes ao ENADE para além do boicote, ou seja, uma proposta de avaliação institucional dos estudantes. Estamos avançando este ano com a Cartilha de Avaliação dos Cursos 2011 construída pelo FENEX, entretanto não podemos para por aí.
O Coletivo Barricadas Abrem Caminhos acredita ser importante os estudantes ficarem atentos sobre o ENADE e buscar somar forças nessa luta, realizando o BOICOTE. O debate da qualidade do curso não deve se encerrar depois que boicotarem a prova no dia 6 de novembro, organize no seu curso uma avaliação de verdade, a Cartilha de Avaliação dos Cursos e outros materiais podem ajudar nisso. A depender do resultado do boicote, insistam na presença de um avaliador na instituição e no curso, e entreguem a avaliação de vocês aos avaliadores e se possível com mobilização!
Vamos à luta estudantes, por uma Educação Pública, de Qualidade e Gratuita!
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* Luã Kramer de Oliveira é estudante de Biologia da UFMT e militante do Coletivo Barricadas Abrem Caminhos.

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