Por Giulia Tadini*
Antes das Revoluções Árabes qual era a nossa visão sobre as mulheres mulçumanas? Lembramo-nos da Jade em “O Clone” fugindo de um casamento arranjado e da burca, ou então pensamos nas odaliscas em algum harém imaginário. Para além disso, costumamos explicitar as opressões que sofrem as mulheres mulçumanas, muitas vezes fazendo extensos debates sobre seus costumes, enquanto escondemos o quanto nós, “as ocidentais”, também somos oprimidas diariamente.
Mas, se isso é de fato verdade, onde estavam as mulheres que hoje estão nas ruas do Oriente Médio tendo papel protagonista nas Revoluções Árabes? Naomi Wolf em artigo na Al Jazeera [1] fala em uma revolução feminista no mundo árabe, na qual as mulheres transcendem os papéis rígidos de gênero e assumem posições de liderança nas manifestações. Após décadas, houve, neste ano, um 8 de março no mundo árabe.
Essa foto mostra estudantes que protestavam durante uma manifestação em frente ao edifício da principal da Universidade no Cairo para exigir a renúncia do reitor [2]. Nela podemos ver que em nada as mulheres do Egito correspondem ao estereótipo que temos delas. São mulheres lutando contra ditaduras, ocupando as ruas e praças e transformando sua realidade. São exemplos para as mulheres do mundo todo.
“As mulheres do Egito não só ‘se somam’ aos protestos, mas tem sido uma força destacada da evolução cultural que as tornou indispensáveis. E o que vale para o caso do Egito, pode se dizer também, em maior ou menor medida, para todo o mundo árabe. Quando as mulheres mudam, tudo muda; e as mulheres do mundo muçulmano estão mudando radicalmente” (Naomi Wolf).
A transformação educativa nos últimos 50 anos é um importante fator que explica o protagonismo político das mulheres. Em muitos países, há mais mulheres que homens no ensino secundário e superior [3]. De acordo com o último informe das Nações Unidas sobre desenvolvimento humano no mundo árabe, em média 59,4% das mulheres árabes receberam uma educação formal. O mesmo informe destaca que existem diferenças muito grandes entre os diferentes países da região. No Marrocos, por exemplo, 60% das mulheres são analfabetas[4].
Soma-se a isso, uma mudança no núcleo da família. As mulheres estão se casando mais velhas, o uso de contraconceptivos está crescendo e a taxa de natalidade está caindo. O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho também vem as inserindo cada vez mais na esfera pública. Neste sentido, as mudanças políticas vêm acarretando importantes mudanças nas relações sociais, principalmente no que se refere às relações de gênero.
Mas ainda existem muitos desafios para essas mulheres. O estereótipo do mundo ocidental segue muito sólido. Na França, a proibição do uso da burca, mais um sinal de intolerância travestido de libertação com um quê de xenofobismo, joga para o âmbito do privado a suposta opressão das mulheres islâmicas sem nenhum diálogo [5], já que só é permitido a essas mulheres usarem a burca dentro de suas casas. Ao mesmo tempo, na Tunísia, a proibição do uso do “hijab” cai. Em um acordo raro entre líderes islâmicos e associações feministas, ambos concordaram que as restrições ao uso do pano islâmico na cabeça deviam acabar [6].
Sem dúvida as revoluções árabes estão mudando a vida do povo. As quedas de Murabak e Ben Ali, no Egito e na Tunísia, atearam fogo na região. E as conseqüências ainda são imprevisíveis. Diversos países estão seguindo o exemplo e levantes são noticiados diariamente na mídia. No entanto, qual é o futuro para as mulheres nestes países? As revolucionárias estarão presentes na nova configuração de poder?
Muitos desafios estão postos. Muitos acham que após a queda dos ditadores as mulheres devem voltar para suas casas. Outros acreditam que a luta das mulheres pode dividir o movimento. Outros ainda afirmam que as mulheres não têm capacidade para governar. Mas, na realidade, elas, que antes se viam restritas ao espaço doméstico e não pertencentes ao espaço público, passaram a se enxergar, depois da revolução, como agentes políticos. Nem mulheres nem homens voltarão iguais para casa.
“Ella es de las que, pese a los temores, piensa que con la revolución política llegarán también los cambios sociales. “La liberación de los hombres está íntimamente ligada a la de las mujeres. Durante una revolución, la gente se transforma por el camino”, piensa El Baz”.
Mulheres e homens têm seus papéis determinados de forma específica não só no mundo árabe, mas na nossa sociedade também. O que observamos, portanto, é que a construção social do feminino e do masculino, atribuindo-lhes características distintas, construídas socialmente e que são colocadas como naturais, também se transforma em barreira para nossa atuação em espaços públicos e de organização. Por isso que é tão importante que existam mulheres que sejam figuras públicas na política invertendo essa lógica que nos é imposta.
Na Tunísia a revolução prossegue. As mulheres organizadas já obtiveram uma importante vitória. Nas próximas eleições para a assembléia constituinte, as listas de candidatos contarão com o mesmo número de mulheres e homens e serão compostas alternando entre os dois sexos nas primeiras eleições democráticas depois de 55 anos. A legislação eleitoral da Tunísia é fruto das lutas na rua. Em pouco tempo, em uma dinâmica extraordinária, podemos dizer que está mais avançada que a legislação do nosso próprio país. Neste sentido cabe pensar como será importante a participação das mulheres nas discussões sobre reforma política em pauta no Brasil. Também é nossa luta reivindicar um processo democrático e participativo, na qual a representação das mulheres na vida política também seja assegurada.
* Giulia Tadini é militante do Juntos! e diretora do DCE-Livre da USP
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