segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Por Felipe Bandeira[i]






Em seu livro, O príncipe, Maquiavel afirma que todos os domínios que existiram e que imperaram sobre os homens são Estados e estes ou são repúblicas ou principados. Esta afirmação, apesar de sumária, representa o esforço das primeiras reflexões sobre os Estados modernos. Nos seus notáveis escritos, ao mesmo tempo em que há um rompimento com as reflexões hegemônicas fundadas na soberania divina do poder, inaugura-se uma moral diferente da moral cristã. Como dizia Gramsci, Maquiavel propõe uma moral específica à política dos Estados Modernos.


Suas reflexões resgatam a linha de pensamento inaugurada pelos historiadores clássicos como Tácito, Túcides e Tito Lívio. Rejeita a tradição idealista de Platão, cujo, o pensamento arquitetava sociedades que nunca existiram entre os homens, ao contrário, costumava dizer que considerava a realidade como ela é, e não como deveria ser, a sua “veritá effetuale”.


Nascido em Florença em 1469, Nicolau Maquiavel foi contemporâneo de uma Itália dividida em vários Estados, estes constituídos de regimes diferentes, desenvolvimento econômico variados, e, sobretudo, cercada de intensos conflitos e sujeitos a constantes invasões dos países estrangeiros. As vicissitudes de seu tempo mostram uma Itália em crise, prestes a perder sua independência desde a invasão francesa em 1494. Nestas circunstâncias, Nicolau reflete sobre o que fazer e quais as saídas possíveis para consolidar uma nação forte.



Para além da sua simpatia pela república e a democracia, Maquiavel vê a necessidade de um governo forte e centralizado, capaz de arrancar a Itália do seu estado de subordinação. Frente a essa situação, observou que na Itália é grande a virtù dos membros, se não lhe falta a cabeça. Por isso, a necessidade do Estado autônomo, sem subordinação as ordens divinas, unitário, que deveria ser constituído através da iniciativa do príncipe. A Itália, afirma Maquiavel, vê-se toda pronta e disposta a seguir uma bandeira, desde que exista alguém que a levante (...). O que não se fará muito difícil, caso se estude antes as ações e as vidas denominadas nesse discurso. Desta forma, em sua obra dá-se o caminho para se construir o Estado moderno.


Um aspecto importe de O Príncipe, é que este não pode ser considerado como uma simples abstração, apesar de quando escrito não compunha a realidade histórica. A rigidez metodológica e o rigor científico de abstração revelam o caráter histórico dos processos políticos. O príncipe é justamente a força capaz de se impor aos caos existente.


Outro aspecto importante, como destacou Gramsci em suas notas sobre Maquiavel, é de O Príncipe não ser um tratado sistemático, mais um livro “vivo”, no qual ideologia política e ciência política fundem-se na forma dramática do mito [1]. Gramsci faz em sua análise o recorte sistemático sobre a construção do mito e da vontade coletiva.



Nascido na Sardenha, Gramsci foi um grande dirigente marxista. Eleito Deputado pelo PCI em 1924, combateu ferrenhamente o facismo de Mussolini. Foi preso em 1925, onde permaneceu trancafiado até 1937, quando morre. Nos anos em que permaneceu aprisionado escreveu sua obra intitulada Cadernos do Cárcere.


O moderno príncipe, afirma Gramsci, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto, só pode ser um organismo, um elemento complexo da sociedade no qual já tenha tido início a concretização da vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação. E continua, este organismo já esta dado pelo desenvolvimento histórico e é o partido político.


Obviamente que na Itália seiscentista de Maquiavel esse processo se dava em estruturas específicas, diferente da Itália do século XX de Gramsci, tomado por forças fascistas. O fio de continuidade da teoria gramsciana, no entanto, é justamente a necessidade da direção, da hegemonia política. Nisto, Gramsci apresenta um avanço dialético na teoria marxista.


Com Marx e Engels se afirma o caráter de classe do Estado. Esse caráter é fruto da base econômica que reproduz uma sociedade fragmentada: de um lado os donos de capitais e dos meios de produção, e do outro, trabalhadores sem nenhum tipo de propriedade. Esta descoberta mostrou que a aparente superioridade do Estado encontra fundamento no processo histórico da sociedade de classes, e não de sua autoridade em si mesmo, como afirmava Hegel. Neste aspecto, o Estado cumpriria o papel de mantenedor da ordem burguesa, utilizando de sua força para controlar e reprimir os levantes dos trabalhadores.


Em Luta de Classes na França, Marx mostra como os antagonismos de classes necessitavam amadurecer, tendo para isso que abandonar seus apêndices pré-revolucionários. O avanço para a classe trabalhadora representava a capacidade de organização e de se lançar efetivamente para o processo e mudança revolucionária. Numa palavra, afirma Marx, o progresso revolucionário abriu caminhos não pelas suas conquistas tragicômicas imediatas, mas inversamente, por ter criado uma poderosa e coesa contra-revolução.



Gramsci, ao atualizar as mudança políticas e estruturais, percebeu que a burguesia e o Estado capitalista impunha uma forma bastante complexa e resistente de dominação, por isso pensou a estratégia revolucionária para o ocidente. Basta pensar, por exemplo, que no período acima descrito por Marx, ainda não se tinha experiência dos grandes sindicatos e dos partidos operários de massas, isso se tornou um elemento importante na análise do Gramsci. Por isso, enfatiza a importância da hegemonia, de marcação de posições estratégicas para a luta dos trabalhadores, dentro e fora da institucionalidade, - como dizem, no fio da navalha - sem abandonar, é claro a base de análise marxista.



A atualidade de Maquiavel e Gramsci evidencia um debate fundamental para os novos tempos. A crise econômica provocou uma cisão no capitalismo. Desde 2011 com o rebentar da primavera árabe e dos protestos em massas, a população toma as ruas e coloca em xeque o estatuto da dominação. Em tempos de crise é preciso teoria! Não sem razão que o “maquiavelismo” hoje encerra uma infinidade de interpretação e ambigüidades, bem como o pensamento de Gramsci também vem sendo utilizado desde setores reformistas até a direita liberal. Essas infinidades de interpretações - muitas pretendem sacralizar e justificar interesses pessoais - mostram a necessidade de leitura desses autores, que antes de tudo, foram grandes sujeitos que impuseram uma forte fissura em seus tempos. Em Maquiavel a força da palavra, em Gramsci a força do exemplo!




[1] (Cadernos do Cárcere, p. 13).


[i] Coordenador Geral da UES, estudantes de Ciências Econômicas na UFOPA e militante do coletivo de juventude Juntos! Juventude em Luta!

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