Ato público dos trabalhadores da educação em Santarém/PA |
Pode um juiz, em menos de duas páginas, através de Liminar, decretar que um direito líquido e certo garantido pela Constituição Federal de 1988, o direito de greve, deixe de existir? Pode um juiz, a seu bel-prazer, passar por cima de um tratado jurídico, a Constituição Federal, conseqüência das lutas operárias e de todo o povo que colocaram abaixo uma ditadura militar de vinte anos? Categoricamente, não! Nenhum juiz pode legislar contra a Lei Maior do país sob pena de incorrer em abusos e em situações ad absurdum.
Entretanto, o Juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública da Capital, Elder Lisboa, desde que foi deflagrada a greve dos trabalhadores em educação no Estado do Pará, em 26 de setembro, vem sistematicamente afrontando a Constituição Federal e a Lei de Greve. Logo no 4º dia de greve, o juiz concedeu liminar ao governo estadual, determinando ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp) que 50% das salas de aula estejam funcionando, além de considerar o movimento abusivo e determinando multa de R$ 10 mil diários se houver desobediência dos professores à decisão. Em seu despacho o juiz argumentou que a educação é um “serviço essencial” e que poderia causar “dano irreparável à população”.
Como a categoria dos professores se manteve aguerrida e determinada na greve, cobrando simplesmente a aplicação da Lei 11.738/08 que estabelece o Piso Nacional do Magistério Básico, hoje no valor de R$ 1.187,00, o juiz Elder Lisboa novamente insuflou-se contra os grevistas e seu sindicato, decretando no último dia 04/11, que cem por cento dos professores e técnicos retornem ao trabalho, sob pena de multa diária de R$ 25 mil caso a decisão não seja obedecida. Imediatamente o governo do tucano Simão Jatene (PSDB) aproveitou a oportunidade para passar à ofensiva e cortar o ponto dos grevistas, bem como demitir os temporários que aderiram à greve.
Assembléia do SINTEPP em Santarém que decidiu pela continuidade da greve |
Em uma demonstração de bravura e coragem nunca vistas, os professores em Assembleia Geral no dia 06/11 decidiram não acatar a ordem do juiz e continuar em greve, com o justo argumento de que o juiz tem dois pesos e duas medidas: reprime legalmente os grevistas e não toma nenhuma medida contra o governo do Estado que se recusa a cumprir a Lei do Piso Nacional do Magistério.
Não bastasse os abusos do juiz Elder Lisboa, o Ministério Público Estadual veio logo em seu auxílio, através da Promotora Maria das Graças Correa, solicitando a abertura de inquérito policial para apurar crime de desobediência à determinação judicial, o que na prática, pode levar à prisão dos dirigentes da greve.
Ao rasgar a Constituição Federal e a Lei de Greve, o juiz Elder Lisboa arbitrou para si poderes que não lhe pertencem, nomeando-se um “déspota” da magistratura, igualando-se em suas atitudes, à ditadura militar que pisoteou nossos direitos políticos por vinte anos. Qual a diferença entre uma ditadura militar que impedia e reprimia as greves e um juiz que usa o poder da caneta para decretar o fim de uma paralisação? Nenhuma.
Contra a “ditadura” do juiz Elder Lisboa, a Constituição Federal de 1988, no artigo 9º, diz categoricamente: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Este mesmo direito é ratificado na Lei nº 7.783, de junho de 1989 (a Lei de Greve), em seu artigo 1º. No caso da greve no serviço público, a regulamentação específica prevista pela Constituição nunca foi feita pelo Congresso Nacional.
Em seus Despachos para decretar a abusividade e a ilegalidade da greve, o juiz insiste que a educação é um “serviço essencial”, e que pode causar “dano irreparável” à população. Que a Educação é um serviço social relevante todos sabemos, menos o governo federal e o governo Jatene, que se recusa a pagar o Piso Salarial Nacional. Mas decretar a ilegalidade da greve com base nessa argumentação não se sustenta, pois a Lei 7.783/89 (Lei de Greve), em seu artigo 10º é bem explícita quando elenca os 11 itens essenciais, dentre os quais serviços hospitalares, transportes, telecomunicações, controle de tráfego aéreo, etc. A Educação não figura nesses itens.
Mesmo que a Educação fosse considerada um serviço “essencial”, mesmo assim, os trabalhadores teriam garantido o seu direito de greve, observando o disposto na Lei 7.783/89.
Professores lavam o chão do Fórum em Santarém, em protesto contra a decisão da Justiça Estadual. |
Ad Absurdum é pouco para designar esta nova invectiva da justiça contra os trabalhadores em educação. Foge a todo o princípio da lógica jurídica e sua intenção obedece apenas aos ditames do governo do Estado e das classes dominantes que estão perdendo seus lucros sem a circulação de 800 mil estudantes e 40 mil professores no dia a dia dos municípios.
Essa atitude dos juízes, completamente “fora da lei”, contra a Constituição federal, só trará mais ímpeto aos professores e à sua greve. Os professores, com sua atitude determinada, com sua greve justa,legítima e legal, são os únicos que podem chamar a justiça e seus juízes à razão, pois estes já mostraram que estão legislando em nome de interesses dominantes, contra o direito de greve e a favor de um governo que está totalmente fora da lei.
Vemos que a máxima de Marx contra os juízes ingleses que legislavam contra as associações de operários se aplica integralmente aos juízes que legislam contra a greve dos professores no Pará: “os eternos serviçais das classes dominantes”.
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* João Carlos Santiago é professor de Sociologia da UFPA.
* João Carlos Santiago é professor de Sociologia da UFPA.
# Artigo publicado originalmente no site do SINTEPP. As fotos foram extraídas do facebook do Professor Marco Aurélio Cardoso.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns ao professor João Carlos Santiago, pois seu artigo revela com perfeição o estado jurídico corporativista que grassa no estado do Pará. Eu sirvo o governador e ele me serve! Parabéns pela tessitura textual! Aos coordenadores do blogue nosso endereço: http://www.modularnoticiassomepolodesantarem.blogspot.com
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