terça-feira, 3 de abril de 2012

Por Leonardo Sakamoto*
O movimento sindical foi responsável não apenas pela melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores do país, mas contribuiu também para o processo de redemocratização. Quem diz que sindicato é coisa inútil, por exemplo, deveria aceitar o índice de reajuste oferecido pelo patrão e não aquele que foi negociado pelo sindicato de sua categoria. Claro que também possuem defeitos, com gente corrupta e imprestável, como todo ator social que detém poder e influência, como partidos políticos, igrejas e a imprensa.
Há sindicatos que fazem, inclusive, um necessário contraponto ao desenvolvimento a todo o custo e ao progresso cego. Muitos, mas nem todos.
Sindicato dos Trabalhadores da Construção
Pesada  do Pará (Sintrapav)  tenta desmobilizar
greve dos operários de Belo Monte.  
É interessante ver o que está acontecendo em grandes obras espalhadas pelo país. Durante a última greve nas obras da usina hidrelétrica de Jirau, em uma assembléia que discutia a continuidade da paralisação na semana passada, sindicalistas foram vaiados por trabalhadores, que atiraram objetos contra o carro de som. Já em Altamira, onde desde quarta passada parte dos operários das obras da usina de Belo Monte cruzaram os braços, sindicalistas distribuíram panfletos dizendo que a greve é ilegal e que estaria sendo promovida por elementos interessados em acabar com os empregos gerados pela obra. 
Fascinante. Trabalhador é trabalhador, patrão é patrão. No meio dos dois, o diálogo e, quando este não surte efeitos, pode-se adotar a paralisação e a greve, que são instrumentos democráticos de reivindicação. Parar de gerar valor para o empregador enquanto este não resolver negociar decentemente é um direito. O Consórcio Construtor Belo Monte, responsável pelas obras, distribuiu folhetos em que insta os trabalhadores reivindicarem enquanto trabalham. Ou seja, protestarem por melhores condições, mas sem pressão, por favor.
Eles podem solicitar isso. Desde o fim da Gloriosa – que inaugurou a era das grandes obras, que consomem moradores e operários – temos a liberdade de dizer o que quisermos. E, em praça pública, fazer o devido enfrentamento. Curioso, portanto, que a própria empresa esteja, através de um pedido na Justiça, tentando impedir um jornalista ligado a um movimento social de cobrir a greve. Ou seja, o direito à liberdade de expressão existe, mas segue seletivo.

O governo brasileiro inundou o país com bilhões em recursos para a construção, com o objetivo de modernizar a infra-estrutura e erguer moradias, girando a economia. Só que “esqueceu” de uma coisa: com o mercado imobiliário aquecido, a busca por áreas urbanas para a incorporação levaria à expulsão de comunidades pobres que disputam a posse de terrenos. Se a Justiça considerasse sempre a função social da propriedade para tomar suas decisões, como está previsto na Constituição Federal, a história seria diferente e essas comunidades teriam direitos preservados. Mas se o Coelhinho existisse, talvez eu tivesse ganho o ovo de chocolate que tanto queria na última Páscoa. Ou se Papai Noel fosse de carne e osso, obras para a Copa não desalojariam ninguém de forma questionável.
A situação trabalhista na construção civil é grave – os protestos na usina hidrelétrica de Jirau, que levaram a um quebra-quebra no ano passado, foram a cereja do bolo. Pipocam manifestações de trabalhadores nas obras de estádios para a Copa do Mundo e casos de trabalho escravo (artigo 149 do Código Penal) em obras de moradia. Até em empreendimentos pertencentes ao “Minha Casa, Minha Vida” o Ministério do Trabalho e Emprego já libertou gente. O governo federal lançou, no mês passado, um acordo com o setor da construção civil para resolver os problemas e elevar a qualidade de vida dos operários que, até agora, não surtiu grandes efeitos.O Planalto não se planejou para esses impactos da transformação do país em canteiro de obras. Para falar a verdade, não planejou muita coisa nessa área.
O governo defender uma visão de desenvolvimento que privilegia o crescimento do bolo em detrimento à sua divisão, é compreensível. É triste, mas entende-se devido à quantidade de interesses que ele acaba atendendo. Quando isso ocorre com representantes de trabalhadores, a situação é diferente.
Sei que hoje somos modernos, ou melhor, quase pós-modernos. E que o Brasil é o país do deixa-disso. Mas vendo que alguns representantes dos trabalhadores não estão conseguindo se entender com seus representados, me pergunto por quanto tempo eles serão considerados úteis.
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* Leonardo Sakamoto é jornalista, doutor em Ciências Políticas e coordenador da ONG Repórter Brasil.

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