Por Ib Sales Tapajós*
No último sábado, dia 10 de setembro de 2011, em Plenária dos estudantes universitários de Santarém, foi aprovada a posição da UES sobre a redivisão territorial do estado do Pará. Por maioria dos votos, os estudantes presentes disseram SIM à criação do estado do Tapajós.
Tal decisão foi tomada após uma tarde de ricos debates na Casa de Cultura, que contaram com a importante contribuição dos professores Manuel Dutra e Aluízio Leal, bem como do padre ambientalista Edilberto Sena. Os debatedores foram muito além do debate simplista e superficial que vem prevalecendo no estado e analisaram os reais aspectos sociais, econômicos e culturais envolvidos na questão.
Os universitários e demais cidadãos presentes no evento não presenciaram discursos ufanistas que apontam no estado do Tapajós a solução para todos os problemas da região. A questão foi enfocada dentro de uma ótica realista e progressiva, não preocupada unicamente com aspectos econômicos e/ou estatísticos, mas sim, e acima de tudo, tendo como foco a vida das pessoas que moram no oeste paraense.
O apoio ao estado do Tapajós, votado ao final da plenária, não contemplou a totalidade dos estudantes universitários de Santarém. Embora minoritária, a posição contrária à criação dos novos estados encontra um número relativamente expressivo de adeptos no meio universitário. Este fato demonstra, dentre outras coisas, a pluralidade política da categoria – fator importante para a construção de um movimento estudantil vivo, dinâmico e democrático.
Ademais, é complicado para muitos estudantes manifestarem apoio à criação do Tapajós, sendo que um dos principais defensores desse projeto em Santarém é o Deputado Lira Maia, político campeão em denúncias de corrupção no Pará e no Brasil. A propósito, Lira Maia foi escolhido como presidente da Frente Parlamentar Pró-Tapajós, fato que deixa ainda mais gente desconfiada com o movimento emancipacionista.
Dessa forma, embora discordando, compreendo e respeito a posição dos companheiros estudantes que são contra a redivisão territorial do Pará. No entanto, o que me preocupa é ver em alguns dos defensores do ‘não’ manifestações inequívocas de intolerância política e desrespeito às diferenças. Um setor do movimento estudantil, em particular, formado por militantes vinculados ao PSTU, tem dado um show de sectarismo ao desqualificar de maneira inconsequente todos defensores do ‘Sim’. Qualificações depreciativas não faltam: ‘oportunistas’, ‘aliados da burguesia’, ‘eleitoreiros’ etc. Talvez por falta de hábito democrático, tais militantes chegam ao ponto de questionar a votação legítima realizada na Plenária da UES que aprovou o apoio ao estado do Tapajós.
O pano de fundo de tais ataques à UES é uma caracterização distorcida e esquemática da realidade. Afirmam que o novo estado é apenas um instrumento para implementação dos grandes projetos na Amazônia. Dessa forma, apoiar o Tapajós significaria apoiar projetos como a construção de hidrelétricas, o agronegócio, a exploração mineraria etc. Por outro lado, o dogmatismo desses militantes os faz tentar tapar o sol com a peneira, afirmando que a burguesia e os políticos corruptos da região são os únicos interessados na criação do novo estado.
Essas análises estreitas são repetidas de tal forma que, para alguns estudantes, se tornam verdades absolutas. Uma análise mais apurada da questão, no entanto, demonstra que a caracterização do PSTU não passa de uma mera caricatura da vida real.
A implantação de grandes projetos na Amazônia obedece a uma lógica que é internacional e que, portanto, está muito além das fronteiras interestaduais. A construção da usina de Belo Monte, por exemplo, não depende em nada da criação do estado do Tapajós. Com ou sem o novo estado, o governo Dilma está disposto a empurrar goela abaixo da sociedade essa obra de morte, que trará destruição ao rio Xingu e aos povos indígenas da região. Somente a organização popular, convertida num enfrentamento direto e massivo contra o governo, poderá parar Belo Monte. O mesmo raciocínio é válido para outros projetos econômicos, como o agronegócio e a mineração.
É bem verdade que, de acordo com a configuração política e jurídica do novo estado, será mais ou menos fácil operacionalizar os grandes projetos. Em última análise, essa configuração depende da correlação de forças entre as classes e grupos sociais. Mas quem disse que a configuração do Pará tem sido favorável à proteção do meio ambiente e dos povos da região frente à voracidade do grande capital? A instalação do porto da Cargill em Santarém, por exemplo, demonstra justamente o contrário: um processo de licenciamento ambiental conduzido pela Secretaria estadual de meio ambiente que representou uma verdadeira aberração jurídica, passando por cima da Constituição Federal ao dispensar a realização do Estudo prévio de impacto ambiental.
De qualquer forma, o modelo de desenvolvimento do novo estado não é algo pronto e acabado. Sua construção dependerá do debate público a ser travado na região. Logicamente os grandes grupos econômicos e os políticos a eles vinculados tentarão impor o crescimento econômico a qualquer custo, buscando criar um arcabouço jurídico que facilite o saque das nossas riquezas. Cabe aos povos da região, aos movimentos sociais e aos trabalhadores do futuro estado do Tapajós construir uma nova perspectiva de desenvolvimento, que priorize a vida, e não o lucro.
Por outro lado, apoiar o Tapajós não significa apoiar os políticos que ganharam destaque defendendo o novo estado. A luta pela emancipação do oeste do Pará é muito mais antiga do que essas figuras. Desde o século XVIII a idéia de autonomia desta região percorre o imaginário da população. Como afirmou Manuel Dutra no debate da UES, “a emancipação é um direito historicamente adquirido pelo nosso povo”.
Logicamente, com a criação da nova unidade federativa, nossa luta central será contra as velhas “raposas” da política regional que tentarão assumir o controle do estado do Tapajós. A defesa da moralidade e da transparência administrativa assumirá um caráter importantíssimo nesse contexto, como forma de combater e reprimir todas as formas de corrupção. Não podemos esquecer que muitos políticos que hoje levantam a bandeira da emancipação em outros tempos (e até mesmo agora) foram base de sustentação dos diversos governos estaduais que passaram pelo Pará, ou seja, ajudaram a nos colocar na situação de abandono em que nos encontramos.
Por outro lado, a participação democrática da população nas principais decisões a serem tomadas no estado do Tapajós é um elemento fundamental para evitar o controle dos grandes grupos econômicos sobre a res publica. Aprovar a Constituição do Tapajós através de Plebiscito seria um bom começo para democratizar a política no novo território.
Como se vê, a luta pelo Tapajós vai muito além do que conseguem enxergar os setores dogmáticos do movimento estudantil, que adoram repetir receitas prontas e “inquestionáveis”. Só o que exigimos deles é que respeitem uma das principais entidades de luta do município de Santarém, que nunca se curvou aos donos do poder. O patrimônio político da UES foi construído historicamente através de inúmeras lutas e mobilizações: a luta por um transporte público de qualidade e contra o aumento da passagem de ônibus, o combate à instalação do porto da Cargill em Santarém, a defesa de democracia e qualidade acadêmica na UFOPA, manifestações públicas contra Belo Monte e as barragens no rio Tapajós, dentre muitas outras bandeiras levantadas juntamente com os estudantes, movimentos sociais, sindicatos e setores progressistas de Santarém.
É por conta desse histórico que não hesitamos em afirmar que o nosso sim ao Tapajós não é um sim qualquer. Nosso sim não é o mesmo de Lira Maia (político campeão em corrupção), nem o mesmo de Maria do Carmo (prefeita campeã em descaso e incompetência administrativa); nosso sim não é o sim da Cargill e dos grandes projetos que saqueiam as riquezas da Amazônia; também não é o mesmo sim da classe empresarial que enxerga no novo estado apenas uma possibilidade de ampliar os seus lucros.
Nosso sim é o sim daqueles que lutam por um futuro diferente para a região. É o sim dos movimentos sociais e de militantes como o Padre Edilberto Sena, uma referência histórica na luta em defesa da Amazônia e dos povos da Amazônia; nosso sim é similar ao do cacique Dadá Borari, liderança indígena ameaçada de morte por defender a vida e cultura do seu povo no rio Arapiuns; nosso sim é o sim de lideranças políticas como Márcio Pinto do PSOL, que em 2008 quebrou a falsa polarização entre Maria do Carmo (PT) e Lira Maia (DEM), mostrando aos santarenos que uma nova forma de fazer política é possível e necessária.
Nosso sim é o sim daqueles que dedicam suas vidas para construir um mundo melhor, em que o homem não seja o lobo do próprio homem. É o sim dos que sabem que só a organização e a luta do povo são capazes de transformar a realidade. Nosso sim é o sim daqueles que lutam pelo socialismo, sabendo que o socialismo não é possível sem a liberdade e o respeito às diferenças.
———————
* Ib Sales Tapajós é coordenador geral da União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES) e militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
# Este artigo está disponível também no Blog do Jeso.
0 comentários:
Postar um comentário