Por Cristovam Sena*
Sendo aprovada pelo plebiscito, essa será a quarta vez que o Pará será dividido, ou esquartejado, como o saudoso e irreverente Juvêncio Arruda (1955-2009) afirmava no seu blog 5ª Emenda. E, até chegar a hora da votação em dezembro próximo, sobre esse assunto ainda ouviremos muita demagogia à direita e a esquerda, contra e a favor da criação do novo estado.
Sendo aprovada pelo plebiscito, essa será a quarta vez que o Pará será dividido, ou esquartejado, como o saudoso e irreverente Juvêncio Arruda (1955-2009) afirmava no seu blog 5ª Emenda. E, até chegar a hora da votação em dezembro próximo, sobre esse assunto ainda ouviremos muita demagogia à direita e a esquerda, contra e a favor da criação do novo estado.
Em 1999 a UFPA/NAEA publicou o livro “O Pará Dividido – Discurso e construção do Estado do Tapajós”, do jornalista santareno Manuel Dutra, que faz uma reconstituição histórica do movimento pela criação do estado. Leitura oportuna e necessária para se entender os fundamentos geopolíticos dessa luta em defesa da divisão territorial do Pará.
A grande diferença desta para as outras divisões é que agora ganhamos o direito de opinar sobre a sua efetivação. Criar novos estados já foi decisão exclusiva do governo federal, justificada como estratégia de segurança nacional nas fronteiras ou punição aos que se envolviam em movimentos contra o governo. Nesse período até os municípios eram “esquartejados” por se envolverem em movimentos contrários ao poder central estabelecido. É o caso de Oriximiná, que o governador Paes de Carvalho anexou seu território a Óbidos em 1900, extinguindo o município.
Entretanto, por ter se oposto ao movimento armado que culminou com o golpe de estado que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930, Óbidos teve que devolver, em 1934, por ordem do Governador Magalhães Barata, as terras que tinha recebido de Paes de Carvalho. Barata restabeleceu o município de Oriximina, forma encontrada pelo caudilho para vingar os desafetos de Vargas, seu padrinho político. O escritor obidense Ildefonso Guimarães (1920-2004) no seu livro “Os dias recurvos”, narra o período do levante militar de 1932 no Quartel de Óbidos, que culminou com a Batalha Naval de Itacoatiara.
Voltando ao Tapajós, essa conversa de que a criação do Estado não passa de esperteza de políticos e da elite santarena é papo furado. Argumento que foi amplamente utilizado pelo senador Aloysio Nunes Ferreira no programa Espaço Aberto da Globo News do dia 15 de junho. O senador paulista desconhece que o sentimento separatista que hoje aflora com mais intensidade vem de muito longe e é fruto do próprio “crescimento” da região. Pode não ser um sentimento de todos, como não é, mas também não pode ser classificado como simples capricho da elite santarena.
A criação do Estado é um sonho que percorre a nossa história, sustentado pela posição geográfica de Santarém. Localizada em ponto estratégico, a cidade é local de partida para a ligação mais rápida e econômica entre as bacias do Amazonas e do Prata.
Em 1925 Raymundo Pereira Brazil, em conferência realizada no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, já dizia que “… a estrada de ferro Santarém a Cuyabá vem sendo uma preocupação nossa secular. Quando ela for realizada não somente nós, paraenses, mas todos nós brasileiros diremos estar satisfeita uma das nossas maiores aspirações nacionais”.
Infelizmente, passados 86 anos do discurso do mestre Raymundo, a consolidação da BR 163 continua a servir de mote de campanha dos governos federal e estadual.
Mas, precisamos estar atentos, não devemos esquecer que existia na consciência coletiva, principalmente dos santarenos, a certeza de que somente com a construção do cais do porto, com a chegada da energia e com a abertura da rodovia Santarém/Cuiabá, aí sim se poderia pensar em desenvolvimento, em progresso para a região.
Energia, porto e estrada, devagar foram chegando, e com eles a transformação da estrutura urbanística, econômica e social da cidade, mas os santarenos não conseguem identificar como progresso estas transformações, pois o desenvolvimento de uma cidade é medido pela qualidade de vida dos seus habitantes e não pela riqueza gerada em seu território. O Estado do Pará, por exemplo, de quem queremos nos separar, é o 4º maior exportador de produtos primários (soja, madeira e energia elétrica), mas é o 16º entre os 27 Estados brasileiros no ranking do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.
Como o tripé cais/estrada/energia não conseguiu trazer a qualidade de vida sonhada pela população, a esperança de desenvolvimento foi transferida para a criação do Estado, vista agora como pedra de toque capaz de transformar crescimento em desenvolvimento, resolvendo todas as mazelas de Santarém e região. E assim vem sendo anunciada pelos políticos e defensores da idéia. Porém, para que essa esperança de desenvolvimento – e não simplesmente crescimento econômico localizado – não se perca na primeira curva da história e se transforme em nova frustração, é necessário que a criação do Estado do Tapajós traga consigo a compreensão dos políticos de que o bem estar social deve ser entendido como o centro das questões de governo.
Via de regra essa compreensão provoca debates sobre como atender as necessidades da sociedade com os recursos existentes, recursos que os governantes não cansam de afirmar que são insuficientes.
Sei que não é fácil a qualquer governo encontrar soluções que atendam a todos os interesses da sociedade. Por causa disso, há necessidade de os próprios governos elevarem o nível do debate político acerca de como utilizar esses insuficientes recursos, dando prioridade a atender as exigências básicas da população. Será que não é exagerado o número de secretarias que proliferam à cada nova administração como parasitas a sugar o sangue dos hospedeiros?
Assim, o primeiro desafio dos gestores do novo Estado é imprimir uma administração gerencial moderna, deixando pra trás o velho modelo das viciadas administrações burocráticas que não conseguem distinguir público de privado, eficiente na malversação do dinheiro público.
Se quisermos que a população entre de cabeça na campanha do SIM, creio que junto com a inevitável e importante discussão dos números da economia do Estado do Tapajós, seja reservado espaço para que se discuta também o novo modelo de governo que irá nortear a sua administração. Que pode começar por não deixar nas mãos exclusivas de políticos a elaboração da Constituição Estadual do Tapajós.
Que o Estado do Tapajós represente algo novo, uma proposta de governo que priorize a solução dos problemas de transporte, uso do solo, educação, saúde, saneamento, lazer e industrialização, como partes de um todo, que é a sociedade. Uma administração que transforme a história econômica e social da região, servindo de exemplo para o resto do país.
Precisamos exigir dos políticos e dos envolvidos na campanha do SIM, que as discussões sobre o Estado extrapolem os estudos do IPEA e o custo da sua implantação, que se discuta também a administração pública pelo viés da ética, onde a distinção entre público e privado seja princípio régio a ser seguido por todos dentro do governo.
Posso parecer ingênuo com essa análise, mas não consigo enxergar outra alternativa, sob pena de amanhã as regiões distantes da futura metrópole começarem a pleitear a criação de um novo estado, utilizando os mesmos argumentos de hoje. Creio na vitória do SIM, por isso a razão dessas palavras.
E, se após o plebiscito surgir das urnas a vitória do SIM sacramentando sua quarta divisão, ao Pará remanescente dedico as palavras da imortal Cecília Meireles: “Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar inteira.”
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* Cristovam Sena é santareno, engenheiro florestal e nº 1 do ICBS (Instituto Cultural Boanerges Sena)
# Artigo publicado originalmente no Blog do Jeso.
- Leia também: Movimentos lançam articulação popular pró-Tapajós
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