quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

por Ib Sales Tapajós (*)
Ib Tapajós - Blog do JesoApós a comoção nacional causada pela trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão em manifestação de rua no Rio de Janeiro, membros do Senado Federal se articulam para aprovar, “a toque de caixa”, um projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo.
O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 499 foi apresentado em novembro de 2013, alguns meses após as célebres jornadas de junho, e tem um objetivo preciso: ampliar as possibilidades de criminalização dos movimentos sociais e dos protestos de rua.
Infelizmente, não vemos nossos parlamentares se mobilizando para dar respostas efetivas às reivindicações que ganharam as ruas em junho, como o passe livre nacional, a reforma política e a destinação de 10% do PIB para a educação pública. Não! A resposta dos senadores, deputados e dos governos é insistir na repressão aos protestos e na garantia da “ordem”.
O art. 2º da proposta de “Lei Antiterrorismo” define como crime de terrorismo “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação de liberdade de pessoa” [1]. A pena prevista para tal conduta é reclusão de 15 a 30 anos e, segundo o projeto, deve ser cumprida 4/5 em regime fechado.
O que preocupa é o caráter genérico, impreciso, aberto, do tipo penal proposto, que não aponta critérios objetivos para caracterizar o que é e o que não é terrorismo. Essa imprecisão certamente vai facilitar interpretações casuísticas que permitam ações arbitrárias da polícia contra manifestantes.
Já o art. 4º do PLS nº 499/2013 prevê o curioso crime de “terrorismo contra coisa”, que ocorre quando alguém provoca terror mediante dano a “bem ou serviço essencial”, como barragem, central elétrica, aeroporto, instituições de ensino, sede do poder executivo, legislativo ou judiciário e ESTÁDIO ESPORTIVO.
Essa redação revela um dos motivos centrais por trás da lei antiterrorismo: evitar protestos e tensões sociais durante a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Por isso o estádio esportivo é tratado, no PLS 499, como bem essencial, que deve ser protegido contra investidas “terroristas”. Em outras palavras: nada de causar “tumulto” durante os jogos da copa!
Além disso, a redação do projeto da lei antiterrorismo dá margem para que protestos como as ocupações de terras do MST sejam enquadrados como atos terroristas. Ou então as ocupações realizadas pelo movimento indígena nos canteiros de obras de usinas como Belo Monte e as hidrelétricas no Rio Tapajós. Mesmo as ocupações de reitorias ou trancamento de portões do movimento estudantil em universidades públicas podem ser tratados como atos subversivos e terroristas! Ou seja, um método de luta dos movimentos sociais deverá ser enquadrado como “terrorismo”!
Trata-se de um evidente retrocesso democrático em pleno século XXI, que nos faz lembrar a Lei de Segurança Nacional do Regime Militar, justamente no ano em que o golpe de 1964 completa 50 anos. A diferença está nos atores: a Lei de Segurança Nacional foi obra dos militares, sujeitos fascistas e abertamente repressores, enquanto a Lei Antiterrorismo está sendo proposta por parlamentares da base de apoio do Governo da ex-guerrilheira Dilma Rousseff no Congresso Nacional [2].
É preciso lembrar aos nossos senadores que já temos uma legislação penal que permite combater e punir ações violentas em manifestações, tanto as oriundas de manifestantes como as da polícia. O Código Penal Brasileiro prevê os crimes de dano, formação de quadrilha, lesão corporal e apologia ao crime. Não precisamos de lei nova, mas apenas garantir o cumprimento das já existentes.
Mas os parlamentares defensores da proposta querem dar uma “resposta” para a comoção nacional criada com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, amplamente utilizada pelos grandes meios de comunicação para atacar os protestos de rua e as lideranças políticas que os apoiam, como o Deputado Marcelo Freixo, do Rio de Janeiro. O calor do momento e a exaltação dos grandes veículos de comunicação favorecem a aprovação de uma lei casuística, cheia de imprecisão técnica e que dá margem para mais arbitrariedade das forças policiais.
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), um dos poucos senadores que tem se oposto à lei antiterrorismo, é enfático na crítica ao PLS 499: “O que estão propondo é a reedição da lei de segurança nacional para atender os ditames do Sr. Joseph Blatter (presidente da Fifa). O agravante é que depois que a Fifa passar, essa lei vai ficar para criminalizar movimentos sociais. Enfim, qualquer manifestação, seja de sem terra ou passeata de estudantes”.
É hora dos movimentos sociais e da juventude que foi às ruas nas jornadas de junho erguer a voz na defesa do direito de manifestação, garantia essencial em qualquer regime democrático. A repressão estatal não conseguirá abafar a rebeldia e o desejo de mudança da geração que mostrou sua força em junho de 2013 e que segue nas ruas em 2014!
[1] A íntegra do Projeto de Lei do Senado nº 499/2013 está disponível na página http://www.cartacapital.com.br/politica/lei-antiterrorismo-1873.html/leia-a-integra-do-pls-499-2013/view.
[2] Os senadores que assinam o PLS 499 são: Romero Jucá (PMDB), Vital do Rego (PMDB), Jorge Viana (PT), Pedro Taques (PDT), Aloysio Nunes (PSDB), Antônio Carlos Rodrigues (PR) e Ana Amélia (PP).
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* Santareno, é advogado militante e membro da Executiva do PSOL/Santarém. Pai do Raoni.



Fonte:http://www.jesocarneiro.com.br/artigos/lei-antiterrorismo-ameaca-ao-direito-de-manifestacao.html#more-63022
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